Folha de S. Paulo


SPFW expôs como o discurso pró-diversidade pode ser vazio

A fórmula parecia perfeita: estilistas dispostos a apresentar novas imagens de moda com tino estético e uma ampla variedade de estilos, corpos e cores na passarela. No último dia da São Paulo Fashion Week, porém, o que se viu foi o quanto esse discurso pró-diversidade pode ser vazio.

Mesmo tendo cumprido um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado com o Ministério Público, em 2009, fruto de protestos e discussão na imprensa, a questão da falta de representatividade de modelos negros no evento ainda é um problema –agravado nesta edição por um caso de racismo envolvendo o rapper e sócio da marca LAB, Evandro Fióti.

Parece não bastar mais apenas orientar grifes participantes sobre a necessidade de incluir não brancos nas apresentações, porque, na prática, a cota de 20% é cumprida no limite.

Mais do que levantar bandeiras por meio de seus patrocinadores, a SPFW tem de reconhecer o vácuo no entendimento geral sobre a necessidade de inclusão racial no objeto principal do evento, que é o desfile. Ações educativas não se mostraram eficazes.

Soma-se à relação esquizofrênica entre a criação de moda e o reflexo factível da sociedade brasileira, majoritariamente negra, a falta de esforço das marcas em mudar o pensamento colonizado de que a beleza real está em um corpo branco.

A justificativa de não haver modelos negros no mercado é uma resposta sem fundamento, que não serve nem como desculpa. Ainda que em número menor em relação aos brancos, há mais negros, descendentes de indígenas e orientais nas agências nos últimos anos.

A radiografia miscigenada do país, enfim, cresceu nessas empresas –a bem da verdade, por uma cobrança de marcas e varejistas estrangeiras atentas à expansão geográfica dos clientes.

O olhar exótico sobre as raízes do povo brasileiro persiste, e uma cena em particular provou a tese. Bastou um modelo negro aparecer com pele pintada de desenhos típicos das cerimônias africanas para o trânsito parar na SPFW, com os inúmeros pedidos de "selfies". No métier da moda, ele é visto como estranho, e as modelos com aparência nórdica, comuns.

É por esse pensamento distanciado, às vezes ingênuo e fruto de desinformação, que estilistas como Liliane Rebehy, da Coven, ainda veem a estética do continente africano como algo passível de releitura.

Ao contrário do que disse à Folha, apropriação cultural existe e, se o crivo internacional é tão importante para a casta "fashion" brasileira, vale dizer que é um dos temas mais discutidos e temidos no processo criativo do hemisfério norte. De Chanel a Zara, muitas etiquetas pagaram caro no gerenciamento de crise por se envolverem em episódios de apropriação cultural.

Não têm menos culpa nesse cenário esbranquiçado os diretores de "casting" e "stylists", ambos com opinião influente no resultado da passarela. A maioria desses profissionais tiveram olhares treinados para reconhecer o belo em revistas de moda internacionais, sagrando nas nacionais uma visão estereotipada sobre a beleza brasileira.

Embora o olhar embaçado tenha diminuído em algumas poucas publicações abertas ao "diferente", enquanto rostos desbotados não forem exceções, o negro será exceção.


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