Folha de S. Paulo


Estilista encontra restos de pau-brasil e extrai corante para tingir coleção

Impossível de ser obtido para fins comerciais, o pau-brasil virou base para a nova linha de roupas da estilista Flavia Aranha, nome incensado do segmento de moda sustentável na América Latina.

Ela encontrou restos de serragem da árvore, ameaçada de extinção, em pequenas fábricas de violino no interior do Espírito Santo. As sobras, fornecidas por produtores, foram trazidas a São Paulo e tratadas em seu ateliê na Vila Madalena, em São Paulo.

Aranha passou quase três anos procurando material remanescente da época em que era permitido a exploração da árvore. Na cidade de Aracruz, a estilista achou quinze artesãos com estoques antigos dos anos 1980 e, com o insumo, tingiu vestidos longos de seda pura (R$ 1.429), casacos de xinil feitos em tear (R$ 1.429), camisetas de malha (R$ 279) e outros modelos básicos.

A coloração vermelha da madeira do pau-brasil foi a matéria-prima mais cobiçada por portugueses durante a colonização brasileira, no século 14 e 15, e representa um legado histórico inestimável para a construção da identidade nacional.

"É um produto que representa história de exploração e, se tratado com respeito, conseguimos retirar dele essa memória negativa. Vira uma raridade e símbolo de orgulho nacional", diz Flavia Aranha.

Tão raro e precioso que é joia para violinistas e violoncelistas. Especialistas em música clássica afirmam que a madeira do pau-brasil produz os melhores arcos do mundo, devido à sua consistência e flexibilidade.

No país só há estoque disponível de madeira para menos de meio século de produção e quase todas as peças brutas, assim como acontece com as gemas brasileiras, são exportadas para Estados Unidos e Europa, onde são lapidadas e vendidas a preço de diamante.

Neste sábado (22), a estilista abrirá o ateliê para uma oficina gratuita de tingimento com pau-brasil, onde 50 pessoas interessadas em conhecer a técnica verão ao vivo a transformação da serragem laranja em um tom de vermelho vivo.

Há serragem suficiente para mais duas coleções. A estilista adianta que já está criando novas roupas para um desfile do Projeto Estufa, plataforma da São Paulo Fashion Week de apoio a novas formas de negócios na moda.

A apresentação, primeira de Aranha no formato de passarela, ainda não tem data confirmada para acontecer. "O que me anima é o simbolismo, o estudo sobre o assunto, não o uso prático."

E não seria nada fácil se ela quisesse. O Ibama só autoriza o corte do pau-brasil em casos de morte da árvore. Um laudo técnico é necessário para comprovar a morte e pode durar um ano para ser emitido.

"Reflorestar seria a solução", diz a estilista, mas não há o interesse da indústria têxtil nacional em plantar a árvore em larga escala devido ao tempo investido.

Enquanto o índigo, planta usada para tingimento de jeans, dura até três anos para crescer, o pau-brasil precisa de 20 anos para atingir a maturidade de corte.

"Desenvolvemos técnica para expandir o uso, mas para uma indústria imediatista e vulnerável como a da moda brasileira, isso parece inviável."

Veja vídeo do processo criativo da coleção de Flavia Aranha.

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