Folha de S. Paulo


Redesenho fiscal deve mudar cena da moda e inflamar disputa entre Rio e SP

Keiny Andrade/Folhapress
Costureira trabalha em confecção paulista
Costureira trabalha em confecção paulista

A indústria têxtil e de confecção brasileira é uma das mais complexas do mundo para quem deseja produzir no país. A chamada "guerra fiscal" entre os Estados desenhou um modelo de confecção pulverizado para a maioria das empresas de moda, que mantêm suas fábricas em locais onde há incentivos para a cadeia, como o Ceará e o Rio de Janeiro.

O decreto assinado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no mês passado, que zera o ICMS para operações internas da indústria e dos atacadistas do setor, deve, segundo empresários e lideranças, redesenhar o quadro fabril no Sudeste e, como consequência, reacender a velha disputa entre marcas cariocas e paulistas.

É que a Lei da Moda do Rio de Janeiro, um benefício mantido a duras penas pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) e que diminuiu, a partir de 2003, de 19% para 2% a alíquota de ICMS do segmento para operações internas e interestaduais, está próxima de expirar. Se a lei for extinta até o final de 2018, como se aventa nos bastidores devido à crise financeira do Estado, pode haver um êxodo das inúmeras confecções fluminenses instaladas em polos como o do bairro de São Conrado, na capital, Nova Friburgo e Petrópolis, ambas na região serrana.

Foi essa lei que permitiu ao Rio desenvolver suas marcas e ocupar o segundo lugar nacional em exportações de produtos de moda. De acordo com a Firjan, em 14 anos de vigência, a lei produziu um incremento de 292% no ICMS arrecadado pelo Estado e 172 mil empregos na cadeia.

Apesar de beneficiar apenas as operações dentro do Estado, o novo incentivo paulista, de acordo com o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil de Confecção), Fernando Pimentel, "dá vantagem competitiva às marcas e à indústria de insumos têxteis de São Paulo".

O discurso de Pimentel é confirmado por empresários ouvidos pela coluna, tanto do Rio quanto de São Paulo. A maioria preferiu não se identificar, para "não alimentar a disputa e prejudicar A ou B", como disse um deles, mas são unânimes em apontar uma "briga" a partir do próximo ano.

Uma briga que envolve preço. Alberto Hiar, dono da Cavalera e da Zoomp, diz que "o benefício para a indústria paulista, ainda que tardio, vai diminuir a importação de matérias-primas e renovar nossa moda". Hiar e um outro empresário paulista estimam que a roupa de São Paulo fique pelo menos 6% mais barata para o consumidor final, mesmo mantido o imposto de 18% sob a compra.

Do ponto de vista do emprego, se a Lei da Moda cair haverá um "drama social completo", segundo um estilista carioca. "Muitas costureiras só sabem costurar e respondem por toda a renda da família", disse o designer.

É com o discurso do emprego e da rentabilidade fiscal proporcionada pelo setor que a Firjan começa a sensibilizar os deputados da Alerj a estenderem o prazo da Lei da Moda, que já havia sido prorrogada em 2012 até dezembro de 2018 e, em 2015, quase foi revogada por uma medida provisória.

Na última quarta (31), uma liminar suspendeu decisão do Ministério Público que proibia o Estado de conceder novos benefícios fiscais, o que impediria a prorrogação da Lei no próximo ano. O vice-presidente da Firjan, Sérgio Duarte, vê a suspensão como benéfica para a indústria fluminense e um sinal de que será possível prorrogar o benefício de ICMS.

"Mas, sim, há um clima de insegurança entre os empresários de moda. São esses incentivos que mantêm os investimentos aqui. A medida de São Paulo para a cadeia oferece uma vantagem competitiva muito maior para as empresas alocadas em São Paulo, porque o Estado já responde pela maior parte da confecção e da produção de insumos", diz Duarte.

"Acontece que tem muita gente desinformada achando que vai ganhar aumentando os impostos. A questão é que esses impostos que hoje o setor da moda paga, antes da Lei da Moda não existiam. Se aumentar [o imposto], muito empresário vai produzir fora do país e será o Brasil que perderá, não o Rio ou São Paulo."


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