Um dos gargalos da confecção brasileira é o reconhecimento do artesanato e da iconografia nacional dentro da criação de moda. O estranhamento das marcas com os traços têxteis locais, como a renda e o bordado, criou um abismo entre artesãos e grifes de moda. O Dragão Fashion Brasil, que acontece até amanhã (27) em Fortaleza, no Ceará, tenta inverter a constante.
Os 23 desfiles desta edição, que comemora 18 anos do evento, um dos maiores de moda autoral do país, fazem paralelos entre as raízes da cultura brasileira e a confecção artesanal. A herança estética do sertão nordestino, a paisagem árida e a natureza inspiram desde cartela de cores até estampas, que se fundem em propostas de vestidos de festa e roupa casual.
A diferença entre esse evento e outros que têm a passarela como motor é que há pouca ou nenhuma intenção em transformar o desfile em plataforma de vendas. Quase todos os estilistas, principalmente nomes da região, como Lindebergue Fernandes, Kalil Nepomuceno, Caio Nascimento e Iury Costa, descolam suas criações da vitrine.
Mesmo com alguns evidentes deslizes de modelagem e edição duvidosa, o exercício desses estilistas é de resistência. Se for levado em conta a importância do desfile no marketing das grifes brasileiras, que transformam a apresentação em catálogo de vendas, mostrar peças livres de qualquer amarra comercial é um ato político.
O conceito do DFB só é comparável ao da última edição do evento Casa de Criadores, em São Paulo, quando questões raciais e de gênero permearam parte das apresentações dos estilistas escalados, em sua maioria do eixo Rio-São Paulo.
Outro ponto importante no balaio de referências do evento é como ele se apresenta. Espalhados pelo terminal marítimo da cidade, onde acontecem as apresentações, vários estandes vendem peças confeccionadas por pequenos empreendedores cearenses.
Aberto ao público, o "festival de moda" ainda abarca música e gastronomia. Num espaço ao ar livre, há shows de bandas locais e concorridos quiosques de restaurantes que servem comida regional.
À tarde, antes dos desfiles, a programação inclui palestras e cursos de orientação profissional sobre macrotendências e nichos de mercado. O evento, dessa forma, não se esvazia no mero ufanismo "fashion".
Quando virou questão de sobrevivência repensar formatos de desfiles, o Dragão poderia servir de exemplo para um novo momento das semanas de moda nacionais, que devem se abrir para outras vertentes da cultura, para o público e para uma retomada da moda genuína.
O jornalista viajou a convite do Dragão Fashion Brasil