Folha de S. Paulo


O que é real na relação entre os 'millennials' e a moda

Mark Lennihan/AP Photo
Após queda nas vendas, Macy's decide fechar 68 lojas e demitir 6.200 funcionários
Letreiro da loja de departamento Macy's, em Nova York, nos EUA; rede fechará 68 lojas em 2017

Quando a moda não aguenta mais falar sobre um assunto, é comum um outro tomar lugar nas capas das revistas e nas rodinhas fashionistas. É o caso da tal geração "millennial", que mal entrou no projeto das grifes e já foi substituído pela nova "geração Z" no discurso engajado dos gurus de última hora. Mas só agora, mais de uma década após os primeiros relatos sobre as características da juventude nascida entre 1980 e 2000, que estudos concretos sobre seus gostos vieram à superfície.

Os "millennials", ou a geração "Y", são a massa consumidora mais dispersa, digitalmente engajada e disruptiva –palavra do ano que, em resumo, significa interromper abruptamente uma constante– desde a "baby boomer", que veio ao mundo entre 1946 e 1964 para promover a revolução sexual, a contracultura e, ironicamente, o consumo de massa.

Segundo estudo publicado no mês passado pela consultoria americana Bain & Company, "inquietação", "urgência" e "singularidade" são as bases do consumo dessa parcela da população que, em 2025, abocanhará 40% das vendas de bens de luxo no mundo.

Os hábitos digitais desses jovens foram analisados no estudo, cujos dados indicam que 70% das compras desse grupo foram influenciadas por interações sociais na rede. Ou seja, o primeiro contato com a marca acontece por meio de opiniões dos amigos, buscas por críticas em sites especializados e lojas on-line.

No caso do luxo, em 2016 o tráfego de visitas nos e-commerces das grifes foi duas vezes maior do que nas lojas físicas dessas mesmas marcas. Em contrapartida, 92% das vendas foram efetuadas no ponto físico. A Bain & Company estima que, em 2025, esse percentual caia para 75%.

Isso significa que estratégias de comunicação deverão ser pensadas para unir os universos tátil, onde a experiência do luxo se concentra, e on-line, onde ela começa.

Não é mais correto esperar o fim das lojas físicas, como indicavam estatísticas recentes baseadas no fechamento de lojas de departamento nos Estados Unidos –a exemplo da Macy's e da Sears, que fecharão quase 200 pontos neste ano–, mas sim uma adequação da demanda real versus expectativas de crescimento dessas redes varejistas.

De acordo com o estudo, intitulado "estado de espírito millennial", as lojas de departamento, responsáveis por 23% das vendas, recuarão para 13% em 2025, enquanto lojas especializadas em um segmento de produtos perderão apenas 5% da atual fatia de 22%. Trocando em miúdos, a hecatombe do varejo alardeada nos últimos anos está longe de acontecer, e se acontecer.

Ganhará, no entanto, quem se adaptar ao desejo dos clientes pela personalização. Segundo especialistas, eles querem participar do processo de feitura da peça, influindo nas decisões criativas das empresas.

Aqui perto, no Rio, acaba de ser lançada a plataforma da grife Ahlma, do publicitário André Carvalhal em parceria com a marca Reserva, que a partir de pesquisas on-line feitas com potenciais clientes desenvolverá parte de suas coleções. Está prevista a abertura de uma loja física, no Leblon, em junho deste ano.

Em parceria com o Instituo C&A, Carvalhal, à frente do "co-working" de moda Malha, produziu um relatório sobre os hábitos de consumo desses jovens, a partir de pesquisas, "cases" do mercado e experiências pessoais à frente do marketing de grifes cariocas.

A "Era de Transição", primeiro relatório dessa iniciativa, será divulgado no dia 25 deste mês apresentando novas vias possíveis para a criação de moda voltada para uma geração que, apesar de criticada pela anterior por uma suposta inconstância emocional, é altamente sociável e aberta a experiências de consumo ligadas à proteção do planeta.

"Mais acesso, menos propriedade", "democratização do 'cool'" e "faça você mesmo" são alguns dos termos usados no documento para exemplificar de forma didática os valores que a sociedade "millennial" espera das marcas de moda.

As soluções apontadas pelo relatório para a crise do varejo de moda global, com curva de crescimento anual na casa dos 4% em negócios bilionários que, em tese, precisam lucrar mais para se tornar viáveis, são tão simples quanto difíceis de serem aplicadas.

São elas: busca por novo sentido (celebre as novas relações raciais, sociais, culturais e sexuais), renove-se (esteja pronto para reexaminar, ou rejeitar, o legado de sua marca) e exerça seus propósitos (tome partido e abrace causas).

Haja vista a inércia de boa parte do varejo de moda nesses três campos, não é difícil entender o porquê de a geração Z surgir no horizonte. Como nem chegaram aos 18, essas crianças estão tão longe do consumo de alto padrão que são alternativas viáveis para mudanças estruturais que os "millennials" almejam, tentam praticar, mas não devem encontrar tão cedo nas vitrines.


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