Folha de S. Paulo


Arrasada pela crise e pela queda no consumo, moda mineira perde marcas

Divulgação
Desfile de abertura do evento Minas Trend em abril deste ano
Desfile de abertura do evento Minas Trend em abril deste ano

DE BELO HORIZONTE - Dívidas com a União que superam os R$ 90 bilhões fizeram de Minas Gerais um dos Estados mais atingidos pela crise econômica. O primeiro setor que sentiu o impacto da derrocada foi o da moda, que em 2015 atingiu o auge da recessão, com recuo de 41,6% no varejo, de acordo com dados da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais).

Polo de moda autoral e epicentro da mão de obra especializada no país, que produz a maior parte dos bordados e dos vestidos de festa à venda no varejo nacional, o Estado perdeu três marcas importantes do segmento nos últimos 12 meses.

A Mary Design, que por 34 anos foi referência da bijuteria mineira no exterior, a grife Mabel Magalhães, também com três décadas de atividade no ramo do prêt-à-porter de luxo, e a Infinita, aposta da psicanalista Miriam Lima que em menos de quatro anos se firmou como marca de alto valor agregado.

A perda foi sentida na feira Minas Trend, em Belo Horizonte, uma das mais importantes do país e que gera 60% das vendas anuais dos seus atuais 201 expositores. O número de estandes caiu quase 30% em relação ao último semestre de 2014, quando quase 300 marcas participaram da feira.

"Dentro de uma planilha de custos com impostos e mão de obra qualificada, o trabalho artesanal ficou inviável. Nos últimos dois anos planejei o fechamento da marca, muito porque não consigo concorrer com a linha industrial da China, diz Mary Arantes, dona da marca Mary Design, para quem a lógica do mercado atual se traduz em uma vasta oferta de produtos, mas de baixa qualidade.

A empresária, que chegou a ter 60 funcionários diretos, afirma que, hoje, a moda está em um "túnel escuro e turbulento", sem previsão de melhora.

"Há mais perguntas do que respostas, não sabemos se o consumidor realmente quer pagar pela qualidade. Além dessa insegurança, há a questão da informalidade. A moda emprega muito, mas não gera imposto suficiente para gerar políticas de incentivo", diz ela.

O presidente da Fiemg, Olavo Machado Jr., reconhece o problema da falta de investimento público ocasionada pela baixa geração de impostos -"é um entrave histórico"-, mas acredita que o aumento do desemprego no Estado acendeu o alerta do governo.

A ajuda governamental veio na última edição do Minas Trend, que ocorreu no início do mês. A Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) anunciou aporte de R$ 3,6 milhões para suprir custos da feira até o final de 2019.

"Mas os empresários também têm de fazer sua parte, ter sensibilidade sobre a questão da mão de obra que alimenta a cadeia e é muito prejudicada pelos baixos salários pagos pelo serviço de costura. Não dá para querer que os jovens exerçam uma função se ele vai ser mal remunerada", diz o executivo da Fiemg. No Estado, os salários para costureiras variam de R$ 900 a R$ 2.000.

No entanto, a conta não parece fechar em grifes que trabalham com mão de obra essencialmente artesanal e pagam salários acima da média aos seus funcionários.

A Infinita, de Miriam Lima, entrou há três anos no mercado com a proposta de oferecer "a melhor mão de obra e um produto de alto valor agregado", segundo sua fundadora, "pagando bem aos funcionários".

"Fiz tudo certo, não atrasei pedidos, não atrasei pagamentos e oferecia moda de qualidade. Investi R$ 2,8 milhões na marca, e não consegui recuperar o investimento", diz Lima, que agora se dedica a dar consultoria de imagem pessoal.

Sua marca conseguiu representatividade em polos importantes da moda festa brasileira, como as capitais Porto Alegre, Recife e São Paulo, mas não aguentou três anos de recessão.

"Foi um período difícil e não prevíamos essa piora nas vendas. Mas também acho que essa crise serve de aprendizado para a indústria mineira, que vai ter de repensar suas estratégias. Tem muita grife que faz 'showroom' lindo e da porta pra dentro está endividada até o pescoço. Os modelos de produção, hoje, são insustentáveis."

O jornalista viajou a convite da Fiemg


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