DE BELO HORIZONTE - Dívidas com a União que superam os R$ 90 bilhões fizeram de Minas Gerais um dos Estados mais atingidos pela crise econômica. O primeiro setor que sentiu o impacto da derrocada foi o da moda, que em 2015 atingiu o auge da recessão, com recuo de 41,6% no varejo, de acordo com dados da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais).
Polo de moda autoral e epicentro da mão de obra especializada no país, que produz a maior parte dos bordados e dos vestidos de festa à venda no varejo nacional, o Estado perdeu três marcas importantes do segmento nos últimos 12 meses.
A Mary Design, que por 34 anos foi referência da bijuteria mineira no exterior, a grife Mabel Magalhães, também com três décadas de atividade no ramo do prêt-à-porter de luxo, e a Infinita, aposta da psicanalista Miriam Lima que em menos de quatro anos se firmou como marca de alto valor agregado.
A perda foi sentida na feira Minas Trend, em Belo Horizonte, uma das mais importantes do país e que gera 60% das vendas anuais dos seus atuais 201 expositores. O número de estandes caiu quase 30% em relação ao último semestre de 2014, quando quase 300 marcas participaram da feira.
"Dentro de uma planilha de custos com impostos e mão de obra qualificada, o trabalho artesanal ficou inviável. Nos últimos dois anos planejei o fechamento da marca, muito porque não consigo concorrer com a linha industrial da China, diz Mary Arantes, dona da marca Mary Design, para quem a lógica do mercado atual se traduz em uma vasta oferta de produtos, mas de baixa qualidade.
A empresária, que chegou a ter 60 funcionários diretos, afirma que, hoje, a moda está em um "túnel escuro e turbulento", sem previsão de melhora.
"Há mais perguntas do que respostas, não sabemos se o consumidor realmente quer pagar pela qualidade. Além dessa insegurança, há a questão da informalidade. A moda emprega muito, mas não gera imposto suficiente para gerar políticas de incentivo", diz ela.
O presidente da Fiemg, Olavo Machado Jr., reconhece o problema da falta de investimento público ocasionada pela baixa geração de impostos -"é um entrave histórico"-, mas acredita que o aumento do desemprego no Estado acendeu o alerta do governo.
A ajuda governamental veio na última edição do Minas Trend, que ocorreu no início do mês. A Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) anunciou aporte de R$ 3,6 milhões para suprir custos da feira até o final de 2019.
"Mas os empresários também têm de fazer sua parte, ter sensibilidade sobre a questão da mão de obra que alimenta a cadeia e é muito prejudicada pelos baixos salários pagos pelo serviço de costura. Não dá para querer que os jovens exerçam uma função se ele vai ser mal remunerada", diz o executivo da Fiemg. No Estado, os salários para costureiras variam de R$ 900 a R$ 2.000.
No entanto, a conta não parece fechar em grifes que trabalham com mão de obra essencialmente artesanal e pagam salários acima da média aos seus funcionários.
A Infinita, de Miriam Lima, entrou há três anos no mercado com a proposta de oferecer "a melhor mão de obra e um produto de alto valor agregado", segundo sua fundadora, "pagando bem aos funcionários".
"Fiz tudo certo, não atrasei pedidos, não atrasei pagamentos e oferecia moda de qualidade. Investi R$ 2,8 milhões na marca, e não consegui recuperar o investimento", diz Lima, que agora se dedica a dar consultoria de imagem pessoal.
Sua marca conseguiu representatividade em polos importantes da moda festa brasileira, como as capitais Porto Alegre, Recife e São Paulo, mas não aguentou três anos de recessão.
"Foi um período difícil e não prevíamos essa piora nas vendas. Mas também acho que essa crise serve de aprendizado para a indústria mineira, que vai ter de repensar suas estratégias. Tem muita grife que faz 'showroom' lindo e da porta pra dentro está endividada até o pescoço. Os modelos de produção, hoje, são insustentáveis."
O jornalista viajou a convite da Fiemg