Folha de S. Paulo


'Little Seul' de Doria gera polêmica e divide lojistas do Bom Retiro

Raquel Cunha/Folhapress
Intersecção da Rua Prates com a Rua José Paulino, a rua mais famosa e que dá início ao bairro Bom retiro
Rua Prates com a José Paulino, a rua mais famosa e que dá início ao bairro Bom retiro

Os primeiros meses de João Doria (PSDB) na Prefeitura de São Paulo mostraram que ele é o prefeito mais "fashion" do país. Depois de lançar tendência com seus colarinhos altos sem gravata, sonhar ver os brasileiros vestidos de Ralph Lauren, cortar orçamento da São Paulo Fashion Week e usar uniformes como arma política, o tucano voltou ao noticiário da moda com a proposta de rebatizar o Bom Retiro, na região central, como o nome de "Bom Retiro Little Seul".

Donos de confecções do bairro, responsável por produzir quase 40% da moda feminina consumida no país, olham com desconfiança o projeto do prefeito. A proposta foi anunciada a jornalistas nesta quinta-feira (13) durante coletiva em Seul, cidade sul-coreana onde Doria viajou para uma série de encontros com empresários e lideranças do governo local.

"Está uma confusão só. Recebi várias ligações de lojistas coreanos perguntando se a história é verdadeira. Muitos deles estão reclamando da proposta", diz Nelson Tranquez, diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas do Bom Retiro.

A preocupação desses empresários, de acordo com Tranquez, é a "descaracterização da marca Bom Retiro, institucionalizada ao longo de quase 70 anos", desde o fechamento das casas de prostituição do entorno, nos anos 1950, e a posterior abertura das fábricas e do comércio de roupas.

"Além disso, não é um bairro só de coreanos. Os descendentes desse grupo são quase metade dos lojistas, mas também há fortes colônias judaicas e libanesas, por exemplo", diz o empresário.

Um dos empresários que critica a proposta é Rafael Yu, dono da atacadista Aqua e um dos principais fabricantes de roupas da região. Segundo disse à Folha, o projeto separa a comunidade coreana de outros grupos de empresários locais que, nesse momento de crise, precisam se unir.

"Há outras preocupações agora. Muita coisa precisa ser feita para ajudar nosso comércio, que está em crise [dados da CDL-Bom Retiro dão conta que os lojistas acumulam perdas anuais de quase 20% no faturamento desde 2015], e mudar nome não é solução", afirma Yu. "Dependendo de como acontecer essa mudança de nome, ela pode até nos prejudicar."

Algumas das reformas mais urgentes citadas pelos empresários são as melhorias na identificação visual, com reformas de totens e placas indicativas das ruas, obras de infraestrutura e reforço na segurança. Em Seul, Doria não citou explicitamente o comércio local e resumiu o projeto de revitalização do Bom Retiro em reformas de praças, bancos e construção de uma creche.

Os lojistas desconhecem a intenção de iniciar qualquer obra em junho, data confirmada por Doria para o início das reformas propostas por ele.

"É até estranho, porque nada disso foi passado nas reuniões com a Subprefeitura da Sé, com a qual falamos desde a gestão anterior [do petista Fernando Haddad] para pensar projetos de melhorias para o bairro e nada foi feito", diz Nelson Tranquez.

Adendo
A Prefeitura de São Paulo procurou a coluna para dizer que o nome do bairro Bom Retiro "não vai mudar". "A proposta do prefeito João Doria, a ser discutida com população e comércios locais, é que a região também passe a ser conhecida como 'Little Seul', em homenagem à comunidade coreana que reside e trabalha no local, após a entrega de ações de revitalização apoiadas por empresas daquele país", diz a nota da prefeitura.


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