Folha de S. Paulo


'Pornô chique' da publicidade destoa do atual viés feminista da moda

Charles Platiau/Reuters
Um adesivo em que se lê 'sexista' foi grudado em frente a propaganda da grife Saint Laurent em Paris
Um adesivo em que se lê 'sexista' foi grudado na propaganda da grife Saint Laurent em Paris

Na mesma semana em que um anúncio da Dior com escritos "todos nós devemos ser feministas" colados em camisetas circularam pelas ruas de Paris, um outro, com garotas sem rosto e pernas abertas, também rondava as placas dos pontos de ônibus da cidade.

A publicidade da grife Saint Laurent, considerada machista por internautas e retirada dos totens públicos da França, porque, segundo o órgão regulador de propaganda do país, é uma representação "degradante" e "humilhante" das mulheres, revela a dicotomia na qual o mundo da moda se meteu.

De um lado, grifes como Dior, Prada, Miu Miu, Gucci e Louis Vuitton levantam bandeiras contra a discriminação e a favor da igualdade de gênero, exaltando a imagem de mulher independente em suas publicidades.

No outro extremo, há marcas que recuperam a "velha publicidade", por muito tempo a base dos lucros das companhias de moda, com imagens hiper-sexualizadas que foram padrão dos anos 1980 e 1990 e consagraram a maioria dos fotógrafos de moda, de Guy Bourdin a David LaChapelle.

Além do imbróglio da Saint Laurent, uma das novas peças da Calvin Klein mostra o rosto de uma jovem com aparência adolescente tirando a alça do sutiã.

A fotografia, agora fora de circulação nos Estados Unidos após ter recebido críticas ferrenhas por, supostamente, erotizar a imagem infantil, remonta à da atriz Brooke Shields.

Aos 15 anos, de perna levantada num anúncio da mesma marca americana, ela perguntava na campanha se "você sabe o que há entre mim e minhas 'calvins'". O escândalo da época abriu espaço para vários exemplos de publicidade "fashion" com teor provocativo. Afinal, "sexo vende".

Ou vendia. Na nova mudança de paradigmas sobre a imagem feminina engendrada pelas grifes internacionais, tanto nos últimos desfiles quanto nas campanhas atuais, o pornô chique perde sentido por destoar do atual viés feminista da moda.

Não significa que com isso é preciso condenar o sexo ou mesmo embutir pudor às imagens porque, é consenso em toda a indústria da costura, muitos homens e mulheres buscam roupas para se sentirem atrativas. Trata-se de formular uma equação que não coloque mulheres na posição de submissas, objetos com a única função de satisfazer os desejos masculinos.

Em conversa com mulheres e amigas próximas, ficou claro que o incômodo na imagem da Saint Laurent, por exemplo, está na ideia de ver uma modelo obrigada a mostrar o corpo numa campanha sem nenhum sentido político no ato, diferentemente do que fez Madonna nos anos 1980.

As grifes não podem mais se esquivar das suas responsabilidades, porque ao mesmo tempo que promovem o desejo de consumo e emulam padrões de beleza a serem seguidos com o intuito de gerar receita, também influem diretamente no comportamento das pessoas.

É só ver o "boom" dos cosméticos que prometem a juventude eterna no final do século 20 e a corrida por uma vaga nas mesas de cirurgia plástica no início deste milênio para entender que o conceito de beleza muda no mesmo passo das mudanças estampadas na TV e na publicidade.

A geração da internet consome e troca muito mais informações do que a passada, e, por isso, os efeitos colaterais das imagens são amplificadas, para o bem ou para o mal.


Endereço da página:

Links no texto: