Folha de S. Paulo


Sem inovar e priorizando vendas, SPFW se contenta com look mediano

Uma máxima antiga anda fora de moda nas passarelas da Bienal do Ibirapuera, sede da São Paulo Fashion Week que termina nesta sexta (17): a de que roupa boa não vende. Um olhar aprofundado sobre os desfiles revela a nova missão das marcas e dos estilistas em renegar sua função de criar novidades com o intuito de priorizar as vendas e gerar dinheiro. A lógica mostrou ser um tiro no pé.

Por mais que o modelo de colocar automaticamente nas araras as peças desfiladas no dia anterior ajude a melhorar o faturamento, já que o desejo imediato de quem vê a roupa no desfile é atendido, esse pensamento imediatista gerou quilos e quilos extras de roupas medianas.

Poucos entenderam que agilizar os processos e a oferta na loja não significa criar coleções sem impacto emocional e criativo. Quase não houve roupas ruins na passarela, mas inexistiram exemplos para acima do normal. O bom, ou o OK, ou um simples "legal", viraram padrão.

Algumas questões precisam ser reavaliadas pelas marcas que se dispõem a desfilar e pela organização do evento que as convida. A primeira é sobre a tal "roupa real", mote das apresentações de 90% do calendário.

Ser real não pode ser desculpa para falta de risco, um artigo em falta no varejo desolado pela crise, mas necessário para aqueles que pretendem ser vistos como as marcas "mais criativas" do país.

Não há espaço para o médio num mercado competitivo como o da moda. A alta registrada no faturamento pós-desfile –que no caso da marca de Giuliana Romanno, segundo ela, foi de 80% na temporada passada– é ilusória, porque a construção de marca, no médio prazo, vai para o buraco.

O desfile continua sendo a plataforma de comunicação mais importante, mas perde utilidade quando serve como um "lookbook" em movimento, cheio de peças vendáveis e mensagens vazias.

A passarela é, acima de tudo, um lugar de reflexão e evolução criativa. Se nomes como Alexandre Herchcovitch, Amir Slama, Oskar Metsavaht (Osklen), João Pimenta, Ronaldo Fraga e Reinaldo Lourenço, por exemplo, estão no olimpo criativo da moda nacional, não foi porque desfilaram coleções palatáveis, mas sim porque criaram ideias invendáveis.

Basta olhar o que apresentam grifes como a japonesa Comme des Garçons e a italiana Prada, por exemplo, para compreender o real papel do desfile na construção de uma cultura de moda.

O valor imaterial atraiu, por meio das apresentações, pessoas interessadas em moda genuína, peças que na arara podiam não ser idênticas às da passarela, mas guardavam os mesmos códigos e silhuetas das "roupas-figurino", para citar a alcunha usada pelos críticos de visão periférica duvidosa quando querem falar das ousadias dos estilistas.

O sonho, o belo e o bizarro fazem parte da moda, uma indústria que precisa vender para se sustentar, mas também não vive sem a locomotiva das grandes ideias que a torna produto cultural.

Esta semana de moda, com baixas imperdoáveis do ponto de vista organizacional, como as de Reinaldo Lourenço e Ronaldo Fraga, deverá ser esquecida com a mesma rapidez com a qual as roupas desfiladas nela foram colocadas à venda.


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