Folha de S. Paulo


Franca Sozzani (1950-2016) foi para a moda o que Bowie foi para a música

O ano não acabou mas já provou ter sido o mais duro da década para a moda mundial. Não só pelo fato de ter sepultado cartilhas de estilo ultrapassadas, mas por ter levado alguns dos mais influentes pioneiros da imagem.

Nos primeiros dias de janeiro, morreu David Bowie, músico que mais influenciou a costura mundial, e, logo depois, André Courrèges, pai da minissaia e do estilo futurista. No último domingo (18), a chinesa China Machado, primeira modelo asiática a abrir espaço para a beleza fora do padrão europeu, morreu aos 86 anos. Ontem, aos 66, foi a italiana Franca Sozzani quem, inesperadamente, partiu.

Vítima de um câncer de pulmão raro, contra o qual lutava há um ano e escondeu do falatório midiático, Sozzani era chamada de "maestrina" no meio fashion desde que assumiu, em 1988, a edição italiana da revista "Vogue".

A relevância do seu trabalho ultrapassou as fronteiras do estilo para levantar debates sobre a beleza negra (capa de 2008 só com negras inaugurou as chamadas "black issues"), os excessos da cirurgia plástica, o "empoderamento" feminino (quando o nome nem existia) e até tragédias ambientais.

Para a moda, a perda de Franca significa o fim da era dos sonhos. Apesar de ser a inglesa Anna Wintour, a chefe com cara de má da "Vogue" americana, a imagem que vem à memória de quem pensa em revistas de moda, foi a colega italiana quem introduziu a estética do absurdo no mundo editorial.

As superproduções cinematográficas e as modelos trajadas para contar uma história não só fizeram a fama de sua criadora, mas a majestade de estilistas, como a dupla Domenico Dolce e Stefano Gabbana, e dos fotógrafos mais caros da atualidade.

Steven Meisel, Bruce Weber e Peter Lindbergh, por exemplo, devem boa parte de seus cliques mais controversos à capacidade de Franca em questionar e provocar. Foi ela, aliás, quem apresentou Madonna a Meisel e fez dele uma espécie de fotógrafo oficial da popstar.

"Mas dizer que ela apenas representava o 'sonho' da moda é menosprezá-la. Muitas pessoas, com o tempo, perdem a capacidade de surpreender. Ela sempre surpreendia e, por isso, foi a editora mais copiada por outras editoras, da própria 'Vogue', por sinal", diz Daniela Falcão, diretora editorial das Edições Globo Condé Nast, que publica a versão brasileira da revista.

"Nenhuma capa dela, por mais polêmica que fosse, era gratuita. Isso é muito difícil de conseguir. Tenho algumas revistas dela que, juntas, são um tapa atrás do outro."

Daniela e todas as diretoras da publicação receberam, no início da tarde de quinta-feira (22), o comunicado do CEO da Condé Nast International, Jonathan Newhouse, anunciando "a perda incalculável". "Ela foi, de longe, a pessoa mais talentosa, influente e importante que passou pela organização", escreveu o executivo.

O estilo camaleônico de editar fez da editora uma espécie de David Bowie da moda, sem que, para isso, precisasse se travestir. A pose deixava para suas muitas tops, de Naomi Campbell a Gisele, de Linda Evangelista a Kate Moss, de Adriana Lima a Cindy Crawford.

Franca foi observadora, não intérprete, e, desse jeito, conseguiu traduzir em imagens a máxima de que moda não se resume a roupas, mas a grandes ideias.


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