Folha de S. Paulo


Compre já, mas compre menos; as contradições da moda em 2016

De tempos em tempos a moda promove ajustes em suas bases, pequenas mudanças nos modelos de venda, nas imagens da grifes, nos padrões de beleza. Acontece que, geralmente, essas trocas não são instantâneas e levam anos para serem digeridas. Neste ano, porém, uma cartilha de novas "regras" foi escrita e jogada de uma só vez no mercado.

O imediatismo de 2016 e a urgência por resultados rápidos impregnada na indústria expuseram contradições da moda. Olhando em retrospectiva, a mais aparente diz respeito ao modelo "veja agora, compre agora", quando a roupa chega imediatamente à loja após o desfile, sem a habitual espera de seis meses.

Assunto mais incensado do noticiário e apoiado por grifes importantes como Burberry, Tommy Hilfiger, Ralph Lauren e Michael Kors, ele vai de encontro ao esforço de outra parte considerável da indústria que prega o consumo consciente de roupas.

Não se pode falar de sustentabilidade em um mercado que escolhe transformar o desfile numa feira de roupas prontas para consumo, alimentando o impulso consumista das pessoas assim como fazem grandes redes varejistas, como Zara, H&M e Forever 21.

Essas gigantes do consumo de massa, aliás, devem fechar o ano com faturamento recorde, provando a fragilidade do discurso ecológico. Não adianta levantar a bandeira do "compre menos" e, ao mesmo tempo, do "compre já". Os conceitos não se misturam.

Trocando em miúdos, se mal conduzido, o fim do modelo sazonal de lançamentos colocará grifes de luxo em pé de igualdade com o fast-fashion.
Outra grande "mudança" alardeada neste ano foi o dito "abraço à diversidade". Choveram notícias sobre como marcas incluíram modelos plus size e pessoas mais velhas em suas campanhas. Na arara, no entanto, o manifesto não se concretizou. O 38 ainda é o "M" das marcas em um mundo que, hipnotizado pelas curvas das irmãs Kardashian, mal cabe no 40.

Agências de modelos, como a poderosa IMG, dos Estados Unidos, aumentaram o portfólio de corpos redondos. Não houve nem um quilo a mais nas passarelas de Paris e Milão, para citar as duas semanas de desfiles mais importantes do mundo.

Também soa como contrassenso o fato de o calendário Pirelli –referência da indústria da beleza– exaltar mulheres mais velhas em suas duas últimas edições se quem de fato mexeu com a cabeça do mundinho fashion foram adolescentes na casa dos 18.

Lily-Rose Depp, 17, filha do ator Jonny Depp, e os irmãos Jaden, 18, e Willow Smith, 16, herdeiros do também ator Will Smith, foram disputados a tapa por grifes para marcar presença em desfiles e estampar peças publicitárias. A mensagem é clara: seja quem você é, mas não esqueça do creme anti-idade e da dieta, porque bonito mesmo é ser jovem e magro.

No campo das tendências, a moda "sem gênero", essa que pode ser usada tanto por homens quanto por mulheres e é bandeira de diversas etiquetas, do luxo ao varejo popular, ziguezagueia sem rumo pelas vitrines.

A maioria das coleções se resume a um par de calças e casacos de moletom, estampas floridas e um blusão ou outro. Saia e plataforma para homens não há, porque por trás da ideia "cool" se esconde lógicas irretocáveis como "esteja na moda, mas continue macho", "liberte-se do vestidinho, mas continue feminina, princesa".

Todas as ideias semeadas neste ano foram, invariavelmente, vendidas como curas milagrosas para um mercado de moda enfermo, carente de renovação e proximidade com o mundo real. Na prática, porém, foram apenas pílulas de placebo.


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