Folha de S. Paulo


Black blocks de butique e o "Dia da Revolução Fashion"

Virou moda protestar na moda. Contra tudo. Vale contra a impunidade, contra o trânsito de São Paulo, contra o sistema escravocrata de produção de roupas, contra o atraso nos aeroportos. Vale propor até uma revolução.

Para quem quiser abraçar as "causas perdidas", foi inaugurado, ontem, o Dia da Revolução Fashion. Nas redes sociais, estilosos inconformados de 50 nacionalidades postaram fotos com roupas ao avesso com a etiqueta à mostra para chamar a atenção do mundo sobre a origem das peças.

A intenção é combater o trabalho escravo e o dia escolhido, 24 de abril, remete ao desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, que no ano passado matou mais de mil operários de oficinas de costura terceirizadas por redes de lojas e grifes famosas. Nós, os escravos da moda

A blogueira Susie Bubble, que todos os dias posta looks de seu extenso guarda-roupa na internet, a ativista "ecofrendly" Livia Firth e a cantora inglesa VV Brown são embaixadoras da "revolução" virtual. Ninguém, claro, saiu do closet para protestar em frente às sedes das etiquetas envolvidas na tragédia.

No Brasil, as grifes Cavalera e Ellus também andam inconformadas. Em seus desfiles na última São Paulo Fashion Week, no início deste mês, reproduziram na passarela o clima dos protestos de junho de 2013 nas capitais brasileiras.

A primeira colocou na mão dos modelos cruzes com as palavras "impunidade", "inconformismo", "falsidade" e outros substantivos inflamados. Tudo muito bem embalado em looks de seda, couro e jeans prontos para festivais de rock.

Já a Ellus, uma das grifes mais ricas da semana de moda, desabafou o que estava entalado na garganta: enquanto o ator global Cauã Reymond desfilava pela passarela, estilistas e modelos passeavam com camisetas pretas com a frase "Abaixo esse Brasil atrasado" estampado em letras garrafais.

"O Brasil está entupido... Até a água está entupida!", dizia um trecho do manifesto redigido pela marca e entregue aos fashionistas trabalhados no salto alto e nas calças descoladas.

O mundo da moda deu uma glamourizada nas revoltas. Nada de looks puídos, pretinho básico e moletom tipo "tô nem aí". Se é pra abrir a boca, que seja com o batom vermelho da moda e "maquiagem nada". PS: Não esqueça do iluminador para realçar o brilho natural da pele.

Não se pode negar que há problemas sérios a serem resolvidos e que envolvem diretamente a indústria do vestuário.

O jornal "The New York Times" lançou nesta semana a campanha "Custo da Moda", para que as grifes envolvidas no desastre de Bangladesh arquem com os custos de indenização dos sobreviventes. Nenhuma delas se responsabiliza pelas condições de trabalho às quais os operários eram submetidos.

No entanto, o marketing embutido por trás das manifestações dos black blocks de butique beira o escárnio. Posam de bons samaritanos, ecofashionistas e engajados num dia e nos outros 364 acham legal misturar Zara ou Topshop com peças de grife.

Criticam o consumo desenfreado e os impostos cobrados sobre o valor das peças do mercado nacional, mas na primeira oportunidade vão para Nova York ou para Miami estourar o cartão de crédito nos outlets.

Olhar a etiqueta da roupa é importante, mas quando se torna um hábito de consumo, não uma estratégia para conseguir mais "likes" no Instagram.


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