Folha de S. Paulo


Negar ciência sobre mudanças climáticas é padrão da direita dos EUA

Depois da devastação causada pelo furacão Harvey em Houston —devastação que acompanhou de perto as previsões dos meteorologistas—, seria de esperar que todo mundo acatasse os alertas dos mesmos especialistas sobre o perigo do furacão Irma. Mas não foi isso que aconteceu.

Na terça-feira (5), Rush Limbaugh acusou os cientistas do clima de inventar a ameaça do Irma por motivos políticos e financeiros. "Existe o desejo de promover essa agenda da mudança do clima, e furacões são uma das mais rápidas e melhores maneiras de fazê-lo", ele declarou, acrescentado que "medo e pânico" ajudam a vender pilhas, água mineral e publicidade na TV.

Logo depois, Limbaugh optou por deixar sua mansão em Palm Beach.

De certa forma, deveríamos agradecer a Limbaugh por pelo menos citar a questão da mudança do clima e sua relação com furacões, no mínimo porque se trata de um tópico que o governo Trump está tentando desesperadamente evitar. Por exemplo, Scott Pruitt, o sujeito simpático à poluição e aos poluidores que o presidente escolheu para comandar a Agência de Proteção Ambiental, diz que agora não é o momento para tratar desse assunto —que fazê-lo representaria "insensibilidade" para com as pessoas da Flórida. Desnecessário dizer que, para pessoas como Pruitt, nunca haverá um momento ideal para falar sobre o clima.

Assim, o que o rompante de Limbaugh tem a nos ensinar? Bem, ele é uma pessoa horrível —mas disso já sabíamos. O ponto importante é que sua posição não é extrema. É verdade que não houve grande número de pessoas influentes que tenham rejeitado especificamente os alertas sobre o Irma, mas negar a ciência e atacar os cientistas, classificando-os como venais e movidos por convicções políticas, é o procedimento operacional padrão para a direita dos Estados Unidos. Quando Donald Trump classificou a mudança no clima como um "boato", ele estava simplesmente repetindo o que os republicanos comuns costumam dizer.

E graças à vitória eleitoral de Trump, conservadores ignorantes e inimigos da ciência agora comandam o governo dos Estados Unidos. Quando você lê análises noticiosas afirmando que o acordo entre Trump e os democratas para manter o governo em funcionamento por alguns meses de alguma forma fez dele um moderado independente, tenha em mente que Pruitt não é um exemplo isolado. Quase todas as figuras importantes do governo Trump no campo do meio ambiente e energia são tanto membros da elite republicana quanto inimigos declarados das provas científicas em geral, e especialmente da tese de que o clima está mudando.

E quase toda a negação quanto à mudança no clima envolvem teorias de conspiração como a proposta por Limbaugh.

Afinal, há consenso científico esmagador no sentido de que as atividades humanas estão causando aquecimento no planeta. Quando políticos e sabichões conservadores desafiam esse consenso, não o fazem com base em uma consideração cuidadosa das provas —quem estamos tentando enganar?— mas sim ao impugnar a motivação de milhares de cientistas em todo o mundo. Todos esses cientistas, eles insistem, motivados pela pressão dos colegas e recompensas financeiras, estão falsificando os fatos e reprimindo posições contrárias.

Isso é loucura. Mas é a posição dominante da direita moderna, tanto entre os comentaristas —mesmo comentaristas inimigos de Trump— quanto entre os políticos.

Por que os conservadores dos Estados Unidos se dispõem a tal ponto a descrer da ciência e a acatar teorias de conspiração alucinadas sobre os cientistas? Parte da resposta é que eles estão projetando: é assim que as coisas funcionam em seu mundo.

Alguns republicanos desiludidos gostam de falar sobre uma era dourada do pensamento conservador, perdida no passado. A era dourada em questão jamais existiu; mas ainda assim houve um período em que alguns intelectuais conservadores tinham ideias interessantes, independentes. Esses dias ficaram para trás há muito tempo. O universo intelectual da direita atual, se é que merece essa denominação, é dominado por mercenários que são essencialmente propagandistas, e não pesquisadores.

E os políticos de direita pressionam e perseguem pesquisadores reais cujas conclusões os desagradem —um esforço que ganhou muita força agora que Trump está no poder. O governo Trump é desorganizado, em muitas frentes, mas está sistematicamente expurgando os trabalhos científicos e os cientistas que lidam com questões de clima, sempre que pode.

Assim, como afirmei, quando pessoas como Limbaugh imaginam que os progressistas estão envolvidos em uma conspiração para promover falsas ideias sobre o clima e suprimir a verdade, isso faz sentido para eles em parte porque é exatamente isso que seus amigos fazem.

Mas também faça sentido para eles porque os conservadores vêm se tornando cada vez mais hostis à ciência em geral. Pesquisas demonstram firme queda no nível de confiança dos conservadores quanto à ciência, dos anos 1970 para cá, e isso claramente tem motivos políticos —não é como se a ciência tivesse repentinamente deixado de funcionar.

É verdade que os cientistas retribuíram o favor, perdendo a confiança nos conservadores: mais de 80% deles preferem o Partido Democrata, hoje. Mas como se poderia esperar que cientistas apoiem um partido [o republicano] cujos candidatos à presidência nem mesmo reconhecem que a teoria da evolução procede?

Em resumo, agora somos governados por pessoas completamente alienadas não só da comunidade científica mas das ideias científicas —do conceito de que a avaliação objetiva de provas é a maneira certa de compreender o mundo. Essa ignorância deliberada é profundamente assustadora. De fato, ela pode terminar destruindo a civilização.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: