Folha de S. Paulo


Projeções econômicas de Trump são chutes otimistas

De acordo com a imprensa, o governo Trump está baseando suas projeções orçamentárias na suposição de que a economia dos Estados Unidos crescerá muito rápido nos próximos 10 anos —de fato, quase duas vezes mais rápido do que instituições independentes como o Serviço Orçamentário do Congresso ou o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos (Fed), calculam. Até onde se pode dizer, não existe análise séria por trás desse otimismo; em lugar disso, o número foi simplesmente chutado para fazer com que as perspectivas fiscais pareçam melhores.

Imagino que isso é exatamente o que devemos esperar de um homem que continua insistindo em que o crime, que na realidade está registrando recorde de baixa, vem batendo recordes de alta, que milhões de votos ilegais foram responsáveis por sua derrota no voto popular, e assim por diante. No mundo de Trump, os números são aquilo que você quiser que eles sejam, e tudo mais é falsa notícia. Mas a verdade é que arrogância injustificada quanto à economia não é um defeito específico de Trump. Pelo contrário: é a norma para o Partido Republicano moderno. E é importante entender o motivo.

Antes que eu trate disso, uma palavra sobre os motivos para que o otimismo quanto ao crescimento seja injustificado.

A equipe econômica de Trump está aparentemente projetando crescimento de entre 3% e 3,5% anuais por uma década. Isso não seria inédito: a economia dos Estados Unidos cresceu em 3,4% ao ano no governo Reagan, e 3,7% ao ano no governo Clinton. Mas uma repetição desse desempenho é improvável.

Para começar, nos anos Reagan a geração baby boom (os norte-americanos nascidos entre 1946 e 1964) ainda estavam ingressando no mercado de trabalho. Agora, está saindo dele, e o crescimento da população em idade de trabalho está cada vez mais lento. Essa mudança demográfica deveria bastar, por si só, caso nada mais mude, para subtrair cerca de 1% ao ano do crescimento dos Estados Unidos.

Além disso, tanto Reagan quanto Clinton herdaram economias deprimidas, com desemprego bem acima dos 7%. Isso significa que havia muita capacidade ociosa na economia, permitindo crescimento rápido quanto os desempregados voltassem ao trabalho. Hoje, em contraste, o desemprego é de menos de 5%, e outros indicadores sugerem uma economia próxima do pleno emprego. Isso deixa muito menos espaço para crescimento rápido.

A única maneira de termos um milagre de crescimento seria uma grande disparada na produtividade —a produção por trabalhador/hora. Isso pode acontecer, é claro. Talvez os carros autoguiados e voadores cheguem ao mercado de massa. Mas não é algo que devamos presumir quando o assunto é calcular projeções econômicas.

E certamente não é algo com que se deva contar como resultado de políticas econômicas conservadoras. O que me conduz à estranha arrogância da direita econômica.

Como já afirmei, a crença em que cortes de impostos e desregulamentação inevitavelmente produzirão um crescimento notável não é um fenômeno único do governo Trump-Putin. Ouvimos a mesma coisa dos lábios de Jeb Bush (quem?). E a ouvimos de líderes republicanos do Congresso, como Paul Ryan. E a questão é: por quê? Afinal não há coisa alguma —nada mesmo— no registro histórico que justifique essa arrogância.

Sim, Reagan presidiu a um período de crescimento econômico muito rápido. Mas Bill Clinton, que elevou os impostos pagos pelos ricos, em meio a confiantes previsões da direita de que isso causaria um desastre econômico, conduziu um período de crescimento ainda mais rápido. O presidente Barack Obama presidiu a um crescimento muito mais rápido do emprego no setor privado do que seu predecessor George W. Bush, mesmo se excluirmos da conta o colapso financeiro de 2008. Além disso, duas das políticas de Obama que a direita mais odiava —o aumento das alíquotas de impostos para os ricos, em 2013, e a implementação da Lei de Acesso à Saúde, em 2014, não produziram qualquer desaceleração na criação de empregos.

Enquanto isso, a crescente polarização na política dos Estados Unidos nos propiciou experimentos práticos de política econômica em nível estadual. O Kansas, dominado por ideólogos conservadores da linha dura, adotou fortes cortes de impostos com a promessa de que isso dispararia um rápido crescimento; o crescimento não veio, e os cortes em lugar disso causaram uma crise orçamentária. Na semana passada, os legisladores do Kansas jogaram a toalha e aprovaram um grande aumento de impostos.

E enquanto o Kansas virava radicalmente para a direita, a maioria que os democratas conquistaram no Legislativo da Califórnia aprovou um aumento de impostos. Os conservadores afirmaram que isso seria um "suicídio econômico" —mas o Estado está na verdade indo muito bem.

Os indicadores, portanto, conflitam completamente com as afirmações de que cortar impostos e promover desregulamentação são panaceias para a economia. Por que, então, todo um partido político continua a insistir que essa é a resposta a todos os problemas?

Seria agradável fingir que ainda estamos travando uma discussão séria e honesta quanto a isso, mas não é verdade. A esta altura, temos de ser francos e falar sobre os interesses que estão sendo atendidos.

Não importa discutir se cortar os impostos de bilionários e permitir que trapaceiros trapaceiem e poluidores poluam fará bem à economia como um todo; o que importa é que isso fará bem aos bilionários, trapaceiros e poluidores. Porque o financiamento de campanhas políticas é o que é, isso cria um incentivo claro para que os políticos continuem a defender uma doutrina fracassada, para que institutos de pesquisa continuem a inventar desculpas novas para essa doutrina, e mais.

E quanto a essas questões, Donald Trump na verdade não é pior do que o resto de seu partido. Infelizmente, ele também não é melhor.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: