Folha de S. Paulo


Carreira de negócios de Trump é longa trilha de promessas descumpridas

Steve Bannon, o estrategista chefe de Donald Trump, defende a supremacia branca e dirige um site que veicula notícias falsas. Mas um dia desses, em entrevista ao, er, "Hollywood Reporter", ele por um minuto pareceu ser um economista progressista. "Eu sou o cara que defende o plano de infraestrutura de US$ 1 trilhão", declarou. "Com taxas de juros negativas no mundo inteiro, essa é a maior oportunidade que teremos de reconstruir tudo".

Será que o investimento público é uma área na qual os progressistas e o futuro governo Trump poderão encontrar terreno comum? Algumas pessoas, entre as quais Bernie Sanders, parecem acreditar que sim.

Mas lembre-se de que você está lidando com um presidente eleito cuja carreira de negócios é uma longa trilha de promessas descumpridas e trapaças escancaradas —alguém que acaba de aceitar pagar US$ 25 milhões pela retirada das acusações de fraude contra sua "universidade".

Levando em conta esse histórico, é sempre necessário perguntar se ele está propondo algo real ou simplesmente envolvido em mais uma maracutaia. Na verdade, o mais seguro seria presumir que se trata de uma trapaça, até prova em contrário.

E já sabemos o suficiente sobre seu plano de infraestrutura para sugerir fortemente que é basicamente fraudulento, enriqueceria algumas pessoas bem relacionadas à custa do contribuinte, e ao mesmo tempo faria muito pouco para curar nosso deficit de investimento. Os progressistas não deveriam se associar a esse exercício de capitalismo de compadres.

Para compreender o que está acontecendo, pode ser útil começar pelo que deveríamos estar fazendo. O governo federal pode de fato captar recursos a custo muito baixo; e enquanto isso precisamos realmente gastar dinheiro com toda espécie de coisas, de tratamento de esgotos ao trânsito. O curso de ação prescrito, portanto, é simples: tomar dinheiro emprestado aproveitando os juros muito, muito baixos e usar o capital assim obtido para consertar tudo que precise de conserto.

Mas não é isso que a equipe de Trump está propondo. Em lugar disso, eles querem conceder imensos créditos tributários, bilhões de dólares em dinheiro dado a empresas privadas que se disponham a investir em projetos aprovados, dos quais elas terminariam donas.

Por exemplo, imagine um consórcio privado que vá construir uma estrada de US$ 1 bilhão. Sob o plano de Trump, o consórcio poderia tomar US$ 800 bilhões em empréstimos e investir US$ 200 bilhões em capital —mas receberia um incentivo fiscal equivalente a 82% do capital investido, de modo que seu desembolso total seria de US$ 36 milhões. E a receita futura dos pedágios na estrada construída com esse dinheiro ficaria com as pessoas que investiram os US$ 36 milhões.

Há três perguntas que você deveria fazer de imediato.

Primeiro, por que realizar o projeto dessa maneira? Por que não encarregar o governo de cobrir o gasto diretamente, da maneira que fez, por exemplo, quando da construção do sistema rodoviário interestadual? O governo federal certamente não enfrenta problemas de captação.

E embora envolver investidores do setor privado possa criar menos dívida para o governo do que um sistema de custeio direto, o fardo que os contribuintes terão de carregar será igualmente pesado, ou ainda mais pesado, no futuro.

Segundo, de que forma esse esquema vai lidar com necessidades de infraestrutura que não possam ser convertidas em fontes de lucro? Nossas principais prioridades deveriam incluir coisas como o reparo de barragens protetoras e a remoção de resíduos tóxicos; onde está o faturamento, nisso?

Talvez o governo possa prometer pagar taxas, transformando a barragem ou sistema de tratamento de água em uma fonte perpétua de renda para "rentiers" —mas isso deixa ainda mais claro que o que temos aqui é basicamente um presente para investidores seletos.

Terceiro, que motivo temos para acreditar que esse esquema vá gerar novos investimentos, e não simplesmente reempacotar coisas que teriam acontecido de qualquer maneira? Por exemplo, muitas cidades terão de substituir seus sistemas de água nos próximos anos, de uma maneira ou de outra; se a substituição ocorrer sob o esquema Trump e não por meio de investimento governamental comum, não teremos construído infraestrutura adicional, mas simplesmente privatizado ativos que deveriam ser públicos —-e as pessoas que adquirirão esses ativos pagarão apenas 18% do valor, e os contribuintes arcarão com o resto da conta.

Uma vez mais, tudo isso é desnecessário. Se você deseja construir infraestrutura, construa infraestrutura. É difícil ver qualquer motivo para um método tortuoso e indireto que ofereceria negócios muito favoráveis a algumas poucas pessoas e, com isso, proveria tanto os meios quanto o motivo para corrupção em larga escala. Ou talvez eu devesse dizer que é difícil ver motivo para esse esquema a não ser que a corrupção seja um componente essencial, e não um acidente de percurso.

O pessoal de Trump, claro, poderia provar que todas as minhas suspeitas são tolas retirando de sua proposta o aspecto de investimento privado e de crédito tributário aos investidores, e oferecendo um programa de investimento público direto. Caso o façam, os progressistas deveriam de fato trabalhar com eles quanto a isso.

Mas não vai acontecer. O capitalismo de compadres e a troca de favores serão o tema central da nova administração —e Trump já está se reunindo com estrangeiros para promover seus interesses de negócios. Pessoas que dão valor às suas reputações deveriam cuidar para não se verem envolvidas nas trapaças que estão por vir.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: