Folha de S. Paulo


Eleger Trump causará uma crise econômica?

Mandel Ngan/AFP
(FILES) This file photo taken on November 9, 2016 shows President-elect Donald Trump speaking during election night at the New York Hilton Midtown in New York. Donald Trump will keep his vow to deport millions of undocumented migrants from the United States, he said in an interview to be broadcast November 13, 2016, saying as many as three million could be removed after he takes office.
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump

Permitam-me ser claro: colocar Donald Trump na Casa Branca é um erro épico. A longo prazo, as consequências podem bem se provar apocalípticas, no mínimo porque provavelmente perderemos a nossa última e melhor chance de restringir a mudança descontrolada no clima.

Mas a extensão do desastre se tornará aparente de imediato? É natural e, devemos admitir, tentador prever um castigo rápido –eu mesmo cedi a essa tentação, por um breve momento, naquela horrível noite da eleição, sugerindo que uma recessão mundial era iminente. Mas recuei rapidamente quanto a essa previsão. Ter Trump como presidente acarretará efeitos horrendos, mas vai demorar algum tempo para que se manifestem.

Na verdade, não se surpreenda se o crescimento econômico na verdade terminar se acelerando por um ou dois anos.

Por que, depois de parar para refletir, eu me mantenho relativamente otimista quanto aos efeitos de curto prazo de colocar um sujeito tão terrível, com uma equipe tão terrível, no poder? A resposta é uma combinação entre princípios gerais e detalhes específicos de nossa atual situação econômica.

Para começar, os princípios gerais. Existe sempre uma desconexão entre aquilo que é bom para a sociedade, ou mesmo para a economia, a longo prazo e o desempenho econômico dos próximos trimestres. Que não ajamos quanto ao clima pode condenar a civilização, mas não há motivo claro para que deprima o consumo no ano que vem.

Ou tomemos por exemplo a política comercial, uma das questões centrais da agenda de Trump. Um retorno ao protecionismo e às guerras comerciais tornará a economia mundial mais pobre a longo prazo, e será especialmente paralisante para os países mais pobres, que necessitam desesperadamente de mercados para os seus produtos. Mas as previsões de que as tarifas que Trump ameaça impor causarão recessão jamais fizeram sentido. Sim, exportaremos menos, mas também importaremos menos, e o efeito geral disso sobre o emprego será em geral irrelevante.

Já tivemos um ensaio formal para essa desconexão no caso da Brexit, a decisão britânica de deixar a União Europeia. Ela certamente tornará o Reino Unido mais pobre a longo prazo, mas as previsões generalizadas de que causaria uma recessão, como alguns de nós argumentamos já no momento em que a saída foi votada, não se baseavam em raciocínio econômico cuidadoso. E já está claro que uma recessão associada à Brexit não está acontecendo.

Para além desses princípios gerais, a situação específica de nossa economia significa que, pelo menos por algum tempo, um governo Trump pode terminar fazendo a coisa certa por motivos errados.

Oito anos atrás, quando o mundo estava despencando à crise financeira, argumentei que estávamos entrando em um reino econômico no qual "virtude é vício, cautela é risco e prudência é insensatez". Especificamente, avançamos aos tropeços rumo a uma situação na qual deficit e inflação mais altos passaram a ser bons, em lugar de ruins. E continuamos nessa situação –não com tanta intensidade quanto naquele momento, mas certamente ainda há muito a ganhar com uma elevação dos gastos públicos, mesmo que a custa de maior deficit.

Muitos economistas estavam cientes disso o tempo todo. Mas foram ignorados, em parte porque boa parte da elite política estava obcecada com os males da dívida pública, e em parte porque os republicanos se opunham a qualquer coisa proposta pelo presidente Obama.

Agora, porém, o poder caiu em mãos de um homem que definitivamente não sofre de excesso nem de virtude nem de prudência. Donald Trump não está propondo imensos cortes de impostos para os ricos e as grandes empresas porque entende de macroeconomia. Mas esses cortes aumentariam em US$ 4,5 trilhões a dívida pública dos Estados Unidos ao longo da próxima década –um valor cerca de cinco vezes maior que os pacotes de estímulo econômico dos primeiros anos do governo Obama.

É verdade que dar presentes milionários aos ricos e a empresas que provavelmente não colocarão em circulação a maior parte desse dinheiro é uma maneira ruim de estimular a economia, porque oferece baixo custo/benefício. E tenho dúvidas de que a alta prometida nos gastos com a infraestrutura de fato acontecerá. Mas um estímulo acidental, e mal projetado, ainda assim pode ser melhor que estímulo nenhum, em curto prazo.

Em resumo, não esperem que a presidência de Trump resulte em crise econômica imediata.

A longo prazo, é claro, Trump será péssimo para a economia, de pelo menos duas maneiras. Para começar, mesmo que não enfrentemos uma recessão imediata, coisas acontecem e muito depende da efetividade da resposta política a esses acontecimentos. E estamos a ponto de testemunhar uma severa degradação tanto na qualidade quanto na independência dos ocupantes de cargos públicos. Se enfrentarmos uma nova crise econômica - talvez como resultado do desmantelamento da reforma financeira -, é difícil conceber pessoas menos preparadas para enfrentá-la.

E as políticas de Trump terminarão acima de tudo por prejudicar, e não ajudar, a classe trabalhadora dos Estados Unidos. Chegará o dia em que as promessas de restaurar o velho e bom passado –sim, tornar os Estados Unidos grandes de novo– serão reveladas como a cruel piada que sempre foram. Falarei mais sobre isso em futuras colunas.

Mas tudo isso provavelmente precisará de tempo para acontecer; as consequências do novo e horrendo regime não se tornarão aparentes de imediato. Os oponentes desse regime precisam se preparar para a possibilidade concreta de que más coisas aconteçam a boas pessoas, pelo menos por algum tempo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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