Folha de S. Paulo


Apoio de líderes republicanos a Donald Trump é digno de desprezo

Evan Vucci/Associated Press
Apoio de líderes republicanos a Donald Trump é digno de desprezo
Apoio de líderes republicanos a Donald Trump é digno de desprezo

Donald Trump disse algumas coisas repulsivas no final de semana. Se isso o surpreende, você não esteve prestando atenção. E tampouco se surpreenda por a maioria dos republicanos apoiarem o ataque que ele fez aos pais de um herói morto em guerra. Afinal, uma pesquisa da YouGov sugere que 61% dos republicanos apoiam seu apelo por um ataque de hackers russos a Hillary Clinton.

Mas esta não é uma coluna sobre Trump e sobre as pessoas que consideram tudo que ele diz e faz aceitável. A coluna, em lugar disso, é sobre os republicanos —provavelmente uma minoria no partido, mas uma minoria substancial— que não são assim. Estamos falando de pessoas que não são racistas, respeitam patriotas mesmo que eles sejam muçulmanos, acreditam que os Estados Unidos devam honrar seus compromissos internacionais, e no geral parecem membros normais de um partido político normal.

No entanto, a grande maioria desses republicanos não loucos continua ainda assim a apoiar Trump como candidato à presidência. E temos o direito de perguntar por que o fazem.

É verdade que uma vitória de Hillary significaria a continuação da governança de centro-esquerda que tivemos sob Barack Obama, o que seria uma grande decepção para aqueles que desejam uma virada à direita. E muita gente se convenceu de que, desconsiderada a ideologia, Hillary seria uma má presidente.

Eu obviamente discordo sobre a ideologia, e embora não tenhamos como determinar se uma presidência de Hillary seria boa até que ela aconteça, encontro muito que admirar na candidata real, que nada tem em comum com a maneira pela qual Hillary é caricaturada. Mas pouco importa: mesmo que você seja um conservador que realmente não gosta da candidata democrata, como consegue justificar o apoio a Donald Trump?

Uma maneira de expressar a questão é: existem motivos para acreditar que uma vitória de Hillary causaria um desastre irrecuperável? Porque essa é a pergunta que todos deveriam estar se propondo.

Comecemos pela questão menos importante (ainda que seja meu ramo), a economia. Se você for republicano, presumivelmente acredita que políticas de centro-esquerda —impostos mais altos sobre as rendas elevadas, uma grande expansão subsidiada dos planos de saúde, regulamentação financeira mais rígida— fazem mal à economia. Mas mesmo que você ache que a economia deveria ter se saído melhor sob Obama, o fato é que o país criou 11 milhões de empregos no setor privado; as ações registram forte alta; as taxas de inflação e de juros continuaram baixas; e o deficit orçamentário desapareceu.

Assim, não estamos falando de um desastre, e não há razão para acreditar que, em um governo de Hillary, a economia seria um desastre. Enquanto isso, Trump fala de cortes de impostos altamente irresponsáveis, sobre a renegociação da dívida nacional e sobre o abandono de acordos de comércio internacional.

Mais acima na escala de importância, e quanto à segurança nacional? Mesmo que você acredite que Obama poderia ter obtido resultados melhores caso bombardeasse mais e dialogasse menos, não há maneira concebível de retratar Hillary —que conta com o apoio de muitos líderes militares reformados— como alguém que cederia aos terroristas e agressores estrangeiros. Enquanto isso, o oponente dela fala sobre abandonar os aliados norte-americanos na Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte) se eles não contribuíram mais, e parece aceitar as aventuras russas na Ucrânia.

O mais importante é a questão da democracia interna.

Eu sei, os conservadores gostam de se queixar de que Obama excedeu sua autoridade ao, por exemplo, usar seus poderes presidenciais para postergar algumas cláusulas da Lei de Reforma da Saúde. Mas sejamos sérios: nenhuma pessoa não louca, mesmo que direitista, acredita que o presidente esteja agindo como ditador, ou que a mulher que deseja sucedê-lo ameaçaria as liberdades básicas. Do outro lado, quem quer observe o oponente dela deveria se preocupar muito, realmente muito, sobre suas tendências autoritárias.

O resumo é que se você não gosta de Hillary ou daquilo que ela representa, é difícil ver como poderia encarar uma possível vitória dela com horror. E é difícil ver como uma vitória de Trump poderia ser encarada de qualquer outra maneira.

Como, então, qualquer republicano racional pode justificar apoiar Trump, ou mesmo se manter neutro, o que na prática significa lhe dar meio voto?

Para os republicanos da base do partido, o fator decisivo presumivelmente são os sentimentos. Depois de passar tantos anos atacando os democratas em geral e Hillary especificamente, eles têm dificuldade para admitir que outra pessoa poderia ser muito, muito pior. Mas a democracia não gira em torno de retórica, e sim de exercitar a responsabilidade. E ceder aos sentimentos em um momento como este equivale a simplesmente abrir mão de seus deveres como cidadão.

E o que quer que se possa dizer sobre os eleitores comuns, os verdadeiros pecadores são os líderes republicanos —pessoas como Paul Ryan e Mitch McConnell—, que estão apoiando ativamente um candidato que sabem representar um perigo para a nação.

Não é difícil entender por que o estão fazendo. Opor-se ao indicado por seu partido, por mais horrível que ele seja, provavelmente acabaria com suas carreiras.

Mas existem momentos em que você deveria deixar de lado essas considerações. Que algumas pessoas se disponham a apoiar Trump é compreensível; e é também digno de desprezo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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