Folha de S. Paulo


Uma pausa que incomoda

Os números sobre o emprego nos Estados Unidos divulgados na sexta-feira foram uma grande decepção: apenas 38 mil postos de trabalho novos criados, uma grande queda ante a média mensal de mais de 200 mil que prevalece desde janeiro de 2013. Fatores especiais, acima de todos a greve da Verizon, explicam parte das más notícias, e de qualquer forma os números do emprego são uma série estatística sujeita a interferências, e por isso ninguém deveria atribuir importância excessiva aos resultados de um único mês. Ainda assim, todos os indicadores apontam para uma desaceleração no crescimento. Não se trata de uma recessão, pelo menos ainda não, mas temos claramente uma pausa no progresso da economia.

Essa pausa deveria causar preocupação? Sim. Porque, caso se transforme em recessão, ou mesmo se persistir por tempo demais, é muito difícil conceber uma resposta efetiva em termos de política econômica.

Comecemos pelo começo. Por que a economia está se desacelerando? Os suspeitos usuais não perderam tempo em culpar o presidente Barack Obama. Mas é preciso lembrar que essas mesmas pessoas vêm alertando sobre desastre iminente desde que Obama foi eleito, e estiveram erradas a cada passo do caminho. Previram uma disparada das taxas de juros e uma disparada da inflação: nenhuma das duas coisas aconteceu.

Declararam que a Lei do Acesso à Saúde destruiria empregos; os anos posteriores à sua entrada plena em vigor foram caracterizados pelos melhores resultados do setor privado na criação de empregos, dos anos 90 para cá.

E a despeito da decepção dos mais recentes números, cabe lembrar que o crescimento do emprego no setor privado sob o governo Obama excedeu em muito o registrado no governo de George W. Bush, mesmo que desconsideremos o colapso econômico de 2008.

Assim, o que está causando a desaceleração da economia? Meu palpite é que o maior fator seja a recente alta acentuada do dólar, que tornou os produtos norte-americanos menos competitivos nos mercados mundiais. A alta do dólar, por sua vez, é em geral um reflexo de comentários indevidos do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) sobre a necessidade de elevar as taxas de juros.

De certa forma, porém, pouco importa que a economia esteja perdendo empuxo. Afinal, há sempre alguma coisa acontecendo. Os Estados Unidos vêm experimentando grandes contrações econômicas, em intervalos irregulares, pelo menos desde a década de 1870, por diversas razões.

Qualquer que seja a causa dessas crises, a economia é capaz de se recuperar rapidamente caso as autoridades econômicas possam agir de maneira útil, e o façam. Por exemplo, tanto a recessão de 1974-1975 quanto a de 1981-1982 foram seguidas por recuperações rápidas, "em forma de V", porque o Fed afrouxou drasticamente a política monetária e reduziu acentuadamente as taxas de juros.

Mas isso não acontecerá —e na verdade não pode acontecer— desta vez. As taxas de juros de curto prazo, que o Fed mais ou menos controla, ainda estão muito baixas apesar da ligeira alta de dezembro. Sabemos agora que é possível que os juros caiam ligeiramente abaixo de zero, mas ainda assim não existe grande espaço para um corte na taxa de juros.

Isso posto, existem outras políticas que poderiam reverter facilmente uma desaceleração econômica. E se Hillary Clinton vencer a eleição, o governo dos Estados Unidos compreenderá perfeitamente bem quais são as opções. (A provável resposta de um governo Trump não merece consideração. Talvez uma série de posts no Twitter insultando a China e o México?) O problema é a política.

Pois a resposta mais simples e efetiva a uma desaceleração econômica seria um pacote de estímulo fiscal —preferivelmente gastos públicos quanto a infraestrutura muita necessária, mas talvez também cortes temporários de impostos para os domicílios de baixa e média renda, que gastariam o dinheiro assim obtido. Gastos com infraestrutura fazem muito sentido, dados os custos incrivelmente baixos de captação do governo federal. A taxa de juros sobre os títulos dotados de correção monetária mal passa de zero.

Mas a menos que a eleição de novembro resulte em controle do Partido Democrata sobre a Câmara dos Deputados, o que é improvável, os republicanos quase certamente bloqueariam qualquer medida desse tipo. Em parte isso seria um reflexo de sua ideologia: ainda que as previsões econômicas da direita tenham se provado completamente incorretas, existe pouca indicação de que alguém tenha aprendido a lição, nesse grupo. Em parte, refletiria a falta de disposição de fazer qualquer coisa que pudesse ajudar um democrata na Casa Branca. Lembre-se de que todos os republicanos da Câmara votaram contra o pacote de estímulo de Obama mesmo nos dias mais sombrios da recessão, quando o presidente estava no pico de sua popularidade.

Se um estímulo fiscal é inviável, o que se poderia fazer? Por boa parte dos últimos seis anos, o Fed, incapaz de baixar ainda mais as taxas de juros, tentou estimular a economia por meio de compras em larga escala de coisas como títulos de longo prazo de dívida pública e títulos lastreados por hipotecas. Mas não está claro que diferença isso pode ter feito —e essa política enfrentou constantes ataques e insultos da direita, que afirma que ela conduz a uma perda de valor do dólar e/ou representa um resgate ilegítimo a um presidente irresponsável em termos fiscais. Podemos arriscar o palpite de que o Fed relutará em retomar o programa e encarar as acusações de que serve aos interesses da "corrupta Hillary".

Assim, as indicações de uma desaceleração nos Estados Unidos deveriam ser causa de preocupação. Não vejo no horizonte qualquer coisa que se assemelhe à crise de 2008 (uma afirmação que arrisco fazendo figa), mas até mesmo um choque negativo menor poderia representa uma péssima notícia, dado nosso impasse político.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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