Folha de S. Paulo


O planeta nas cédulas

Nós agora temos uma boa ideia de quem estará nas cédulas em novembro: Hillary Clinton, quase certamente –após sua explosão na Carolina do Sul, os mercados de previsão lhe deram uma probabilidade de 96% de garantir a indicação de seu partido–, e Donald Trump, com elevada probabilidade, atualmente com 80% nos mercados.

Mas, mesmo se não houver uma virada impressionante no que resta das primárias, já sabemos muito bem o que estará em jogo: o destino do planeta.

Por que digo isso?

Obviamente, a divisão partidária sobre a política ambiental tem crescido cada vez mais. Apenas oito anos atrás, John McCain, candidato do partido republicano, tinha uma plataforma que incluía um sistema de "cap and trade" –que restringe as emissões, mas permite que licenças de poluição sejam compradas e vendidas– para limitar gases de efeito estufa.

Desde então, porém, a negação da ciência do clima e a oposição a qualquer coisa que possa evitar uma catástrofe se tornaram pilares essenciais da identidade republicana. Assim, a escolha em 2016 é mais gritante do que nunca.

No entanto, essa divisão partidária não seria, por si só, suficiente para fazer deste um ano verdadeiramente crucial. Afinal, a eleição de um presidente pró-ambiente não faria muita diferença se ele ou (mais provavelmente) ela não estiverem dispostos a nos levar para longe do precipício.

E a verdade é que, dado o retrocesso republicano e o quase bloqueio do partido na Câmara, nem mesmo uma arrasadora vitória democrata seria capaz de criar um ambiente político no qual qualquer proposta parecida com a de McCain em 2008 fosse aprovada pelo congresso.

Mas o ponto é: o próximo presidente não terá de aprovar uma legislação abrangente, nem mesmo qualquer legislação, para dar um grande passo para salvar o planeta. Um progresso dramático em tecnologia de energia nos colocou em uma posição em que a ação executiva –ação que se baseia na lei existente– pode alcançar grandes feitos. Tudo de que precisamos é um executivo disposto a pôr essa ação em prática e uma Suprema Corte que não fique em seu caminho.

E a eleição deste ano irá determinar se essas condições existirão.

Muitas pessoas, incluindo algumas que deveriam ter ainda mais conhecimento, parecem estranhamente alheias à revolução em curso em energia renovável. Recentemente, Bill Gates declarou, como tem feito diversas vezes ao longo dos últimos anos, que precisamos de um "milagre da energia" –algum tipo de avanço tecnológico impressionante– para conter a mudança climática. Mas nós já tivemos esse milagre: o custo da eletricidade gerada pelo vento e pelo sol caiu drasticamente, enquanto os custos de armazenamento, cruciais para tornar as energias renováveis plenamente competitivas em relação à energia convencional, estão afundando enquanto falamos.

O resultado é que estamos apenas a alguns anos de um mundo em que as fontes de energia neutras em carbono poderiam substituir grande parte do nosso consumo de combustíveis fósseis a um custo bastante modesto. É verdade que os republicanos ainda repetem roboticamente que qualquer tentativa de limitar as emissões iria "destruir a economia". Mas, neste momento, tais afirmações são absurdas.

Tanto uma questão de caráter técnico quanto econômico, as reduções drásticas nas emissões seriam, de fato, bastante fáceis de se alcançar. O que nos levaria para o outro lado seriam políticas moderadamente pró-ambiente.

Como economista de carteirinha, sou obrigado a dizer que seria melhor se essas políticas tomassem a forma de um sistema global como o "cap and trade" ou impostos sobre carbono, o que daria incentivos para reduzir as emissões em toda a economia. Mas algo como o Clean Power Plan [plano de energia limpa] da administração Obama, que usaria regulamentos flexíveis impostos pela Agência de Proteção Ambiental sobre os principais emissores, deve ser o suficiente para nos colocar em um longo caminho em direção à meta.

E, como eu disse, não haveria necessidade de nenhuma nova legislação, apenas um presidente disposto a agir e uma Suprema Corte que não fique no caminho desse presidente, sacrificando o planeta em nome de uma ideologia conservadora. Além disso, o acordo de Paris do ano passado significa que, se os EUA avançarem sobre a ação climática, grande parte do mundo seguirá seu exemplo.

Não sei você, mas eu fico muito nervoso com essa situação. Enquanto a perspectiva de uma ação efetiva sobre o clima parecia remota, fiquei apenas desesperado, e tenho certeza de que muitos outros também, confortavelmente entorpecidos –como sabiam que nada ia acontecer, apenas seguiram em frente.

Agora, porém, a salvação está claramente ao nosso alcance, mas continua sendo possível também que arranquemos a derrota das garras da vitória. E essa é, de longe, a questão mais importante que existe; isso supera até mesmo coisas como a saúde, a reforma financeira e a desigualdade.

Então, vou lutar desesperadamente durante toda essa eleição. Sem dúvida, haverá muita animação ao longo do caminho, dado o "freak show" ocorrendo em um dos lados. Mas não vou esquecer que o que está em jogo desta vez é muito sério. E você também não deveria.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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