Folha de S. Paulo


A turma da chantagem: o Partido Republicano dos Estados Unidos

John Boehner [deputado do partido de oposição a Obama que renunciou à presidência da Câmara na sexta (25)] foi um presidente da Câmara terrível, muito ruim, nada bom. Sob a sua liderança, os republicanos perseguiram uma estratégia sem precedentes de obstrucionismo de terra arrasada, que trouxe imensos prejuízos à economia e minou a credibilidade dos Estados Unidos em todo o mundo.

Ainda assim, as coisas poderiam ter sido piores. E sob o seu sucessor, quase certamente serão piores. Ruim como era Boehner, ele era apenas um sintoma da doença subjacente, a loucura que consumiu seu partido.

Para mim, o momento decisivo de Boehner continua a ser o que ele disse e fez como líder da minoria no início de 2009, quando um recém-eleito presidente Barack Obama tentava lidar com a recessão desastrosa, que começou sob o seu predecessor.

Havia e há um forte consenso entre os economistas de que um período temporário de gastos deficitários pode ajudar a mitigar uma crise econômica.

Em 2008, um plano de estímulo aprovado pelo Congresso com apoio bipartidário, e um novo estímulo em 2009 foram esmagadores. Mas com um democrata na Casa Branca, Boehner exigiu que as políticas fossem na direção oposta, declarando que "as famílias americanas estão apertando os cintos, mas não vêem o governo apertar o cinto". E convocou governo a "fazer uma dieta".

Essa foi uma economia ignorante e incrivelmente irresponsável em um momento de crise; não muito tempo atrás, teria sido difícil imaginar uma importante figura política fazer tal declaração. Será que Boehner realmente acreditava no que estava dizendo? Ele era apenas contra qualquer coisa de que Obama fosse a favor? Ou estava envolvido em sabotagem deliberada, tentando bloquear medidas que ajudariam a economia, pois uma economia ruim seria boa para as perspectivas eleitorais dos republicanos?

Provavelmente nunca saberemos ao certo, mas essas observações definiram o tom para tudo o que se seguiu. A era Boehner foi aquela em que os republicanos não aceitaram nenhuma responsabilidade em ajudar a governar o país, na qual eles se opuseram a tudo e qualquer coisa que o presidente propunha.

Além disso, tem sido uma era de chantagem orçamentária, em que republicanos ameaçam acabar com o governo ou empurrá-lo para o calote caso não seja feito do seu jeito, tornou-se o procedimento operacional padrão"

Em suma, os republicanos durante a era Boehner justificavam plenamente a caracterização oferecida pelos analistas políticos Thomas Mann e Norman Ornstein, no livro "It's Even Worse Than You Think". (É ainda pior do que parece, em tradução livre). Sim, o Partido Republicano se tornou uma "oposição insurgente" que é "ideologicamente extrema" e " indiferente ao entendimento convencional de fatos, provas e ciência". E Boehner não fez nada para combater essas tendências. Pelo contrário, atendia o extremismo e o alimentava.

Então, por que é que ele está fora? Basicamente porque o obstrucionismo falhou.

Os republicanos conseguiram inibir severamente os gastos federais, que cresceram muito mais lentamente sob Obama do que sob George W. Bush, ou na verdade sob Ronald Reagan. A fraqueza dos gastos, por sua vez, foi um grande vento contrário, retardando a recuperação, provavelmente a maior razão pela qual levou tanto tempo para se recuperar da recessão de 2007/09.

No entanto, a economia foi boa o suficiente para Obama ganhar a reeleição com uma maioria sólida em 2012, e sua vitória garantiu que a assinatura da sua iniciativa política, a reforma dos cuidados de saúde —promulgada antes de os republicanos assumirem o controle da Câmara— entrasse em vigor na data prevista, apesar das dezenas de votos que Boehner conseguiu pedindo a sua revogação.

Além disso, o Obamacare está funcionando: o número de americanos sem seguro caiu drasticamente, até mesmo os custos dos cuidados com a saúde parecem ter ficado sob controle.

Em outras palavras, apesar de todos os esforços de Boehner para derrubá-lo, Obama está parecendo cada vez mais um presidente altamente bem sucedido. Para a base, que nunca o considerou legítimo —as sondagens sugerem que muitos republicanos acreditam que ele não era nem nascido nos EUA— isto é um pesadelo. E todos os demais políticos republicanos ambiciosos estão dispostos a dizer à base que a culpa é de Boehner, que ele simplesmente não tentou uma chantagem suficientemente dura.

Isso é um absurdo, claro. Na verdade, a controvérsia sobre ao planejamento familiar, que provavelmente provocou a saída Boehner —fechou o governo em resposta a vídeos obviamente manipulados?— poderia ter sido personalizada para ilustrar quão loucos os extremistas do Partido Republicano se tornaram, quão irrealistas são sobre o que a política de confronto pode alcançar.

Mas os líderes republicanos, que têm incentivado a base a acreditar em todos os tipos de coisas falsas não estão em posição para começar a pregar racionalidade política.

Boehner está parando porque ele se viu preso entre os limites do politicamente possível e uma base que vive em sua própria realidade. Mas não chore por (ou com) Boehner; chore pelos EUA, que precisam encontrar uma maneira de viver com um Partido Republicano enlouquecido.
Tradução de Maria Paula Autran


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