Folha de S. Paulo


A fúria dos banqueiros contra os juros zerados nos Estados Unidos

Semana passada, o Federal Reserve (o banco central dos EUA) decidiu não aumentar as taxas de juros. Foi a decisão certa. De fato, estou entre os economistas que se perguntam por que mesmo estamos pensando em aumentar as taxas exatamente agora.

Mas a resposta da indústria financeira pode explicar o que está acontecendo. Veja, o Fed fala muito com os banqueiros —e os banqueiros reagiram a sua decisão com enorme e pura raiva. Para aqueles que tentam entender a economia política das políticas monetárias, foi um momento "a-rá!". De repente, muito do que era intrigante sobre a discussão fez sentido: basta seguir o dinheiro.

Os princípios básicos de política de aumento de taxas de juros são bastante simples e remontam a mais de um século com o economista Knut Wicksell. Ele defendia que os bancos centrais, como o Fed e os bancos centrais europeus, poderiam estabelecer taxas em seu nível natural, definido em termos do que acontece com a inflação. Se as taxas estão baixas demais, a inflação vai acelerar; se estão altas demais, a inflação vai cair e talvez se torne uma deflação.

Por este critério, é difícil defender que as taxas vigentes estão baixas demais. A inflação ficou baixa por anos. Em particular, a medida da inflação preferida do Fed, que exclui os preços voláteis dos alimentos e da energia, tem consistentemente ficado aquém de sua meta de 2% e não mostra sinais de crescimento.

É verdade que as taxas —próximas de zero no curto prazo que o Fed controla mais ou menos diretamente— estão muito baixas em relação à média histórica. E é interessante questionar por que a economia parece precisar de taxas tão baixas. Mas todas as provas mostram que ela precisa. De novo, se você pensa que as taxas estão muito baixas, onde está a inflação?

No entanto, o Fed enfrentou críticas constantes a sua política de baixas taxas. Por quê?

A resposta é que a história segue mudando. Em 2010-2011, os críticos do Fed fizeram alertas dramáticos sobre a inflação iminente. Você deve ter esperado por alguma mudança de tom quando a inflação não se materializou. Em vez disso, no entanto, aqueles que costumavam pedir taxas mais altas para evitar a inflação ainda demandam a mesma coisa, mas por razões diferentes. A justificativa do dia é a "estabilidade financeira", a alegação de que taxas de juros baixas produzem bolhas e crashes.

Suponho que este último pretexto para subir as taxas poderia estar certo. Mas é impressionante como o caso da subida das taxas se tornou complicado e dúbio. Gosto de pensar nisso da seguinte maneira: se os políticos com inclinação esquerdista oferecessem justificativas dependentes dessa lógica trêmula e fraca para suas políticas, seriam muito criticados por sua irresponsabilidade. Por que, então, alguém leva isso a sério?

Bom, quando vemos justificativas que mudam sempre para demandas políticas que não mudam nunca, uma boa aposta é que há um motivo ulterior. E a taxa de raiva dos banqueiros —combinada com a queda das ações dos bancos que se seguiu à decisão do Fed de não aumentar— oferece uma dica poderosa para a natureza deste motivo. São os lucros dos bancos, estúpido!

Muitas pessoas ficaram confusas ao tentar descobrir se dinheiro fácil é bom ou ruim para os riscos, em geral. Essa é, na verdade, uma questão complicada. O que é claro, no entanto, é que taxas baixas são ruins para os banqueiros.

Para que os bancos tenham lucro tomando depósitos e emprestando fundos a uma taxa mais alta de juros. E esse negócio é pressionado em um ambiente de juros baixos: as taxas que os bancos podem cobrar sobre os empréstimos são jogadas para baixo, mas as taxas sobre os depósitos não podem baixar tanto. A margem líquida de juros, —a diferença entre a taxa de juros que os bancos recebem sobre empréstimos e a taxa que eles pagam sobre os depósitos— caiu acentuadamente nos últimos cinco anos.

A resposta adequada dos responsáveis pelas decisões políticas a essa observação deve ser "E daí?" Não há nenhuma razão para acreditar que o que é bom para os banqueiros é bom para os EUA. Mas os banqueiros são diferentes de você e de mim: têm muito mais influência.

As autoridades monetárias encontram com eles o tempo todo e em muitos casos esperam compartilhar seu status quando saem da porta giratória. Além disso, é amplamente presumido que os banqueiros têm conhecimentos especializados em matéria de política econômica, embora não haja histórico que alicerce essa crença. (Os banqueiros, no entanto, têm excelentes alfaiates.)

Portanto, não devemos ficar surpresos ao ver instituições que servem aos banqueiros, sem mencionar grande parte da imprensa financeira, que elabora justificativas para uma subida de taxas que não fazem sentido em termos de economia básica. E o debate dos últimos meses, em que o Fed pareceu estranhamente ansioso para aumentar as taxas, apesar das advertências de Larry Summers, de que seria um erro terrível, sugere que nem mesmo as autoridades monetárias dos EUA estão imunes.

Mas o Fed fez o certo a semana passada. E o barulho dos banqueiros não deve ser encarado como uma razão para reconsiderar, mas como uma demonstração de que o clamor pelas taxas mais altas não tem nada a ver com o interesse público.


Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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