Folha de S. Paulo


'Posers' do Partido Republicano se passam por líderes fortes nos EUA

Há muitas coisas que devemos lembrar sobre os acontecimentos do final de agosto e do início de setembro de 2005, e as consequências políticas não devem estar perto do topo da lista. Ainda assim, o desastre em Nova Orleans causou à administração de Bush uma grande quantidade de danos —e os conservadores nunca pararam de tentar se vingar. Cada vez que algo deu errado no governo do presidente Barack Obama, os críticos foram rápidos em declarar o evento um "Katrina de Obama". Quantos Katrinas Obama teve até agora? Em uma rápida contagem, 23.

De alguma forma, no entanto, estes supostos Katrinas nunca acabam tendo o impacto político do fiasco letal que se desenrolou há uma década. Em parte, porque muitas das supostas catástrofes não eram realmente catástrofes. Por exemplo, os problemas iniciais do Healthcare.gov foram embaraçosos, mas foram finalmente resolvidos —sem que ninguém morresse no processo— e, neste ponto, o Obamacare parece um enorme sucesso.

Além disso, Katrina foi especial em termos políticos, porque revelou um enorme fosso entre imagem e realidade. Desde o 11 de setembro, o ex-presidente George W. Bush posava como um líder forte e eficaz que mantinha os EUA seguros. Ele não era. Mas enquanto tinha um discurso duro sobre terroristas, era difícil para o público ver o péssimo trabalho que estava fazendo. Levou um desastre nacional —o que tornou o nepotismo e a incompetência de seu governo óbvios para qualquer pessoa com um aparelho de TV— para que sua bolha estourasse.

O que nós deveríamos ter aprendido com o Katrina, em outras palavras, era que "posers" políticos sem nada a oferecer além de arrogância podem, no entanto, enganar muitas pessoas que acreditam que eles são líderes fortes. E isso é uma lição que estamos aprendendo de novo conforme se desenrola a corrida presidencial de 2016.

Você provavelmente acha que eu estou falando sobre Donald Trump, e estou. Mas ele não é o único.

Considere, se quiser, o caso de Chris Christie. Não há muito tempo, ele foi considerado um forte candidato para a presidência, em parte, porque durante algum tempo de sua atuação como "durão", convenceu muito bem o povo de Nova Jersey. Mas ele tem, de fato, sido um governador terrível, que já presidiu repetidas reduções de crédito e que comprometeu o futuro econômico do Nova Jersey ao matar um projeto de um túnel ferroviário muito necessário.

Agora Christie parece patético —você ouviu aquela história sobre seu plano para controlar os imigrantes como se fossem pacotes de FedEx? Mas ele não mudou; ele apenas entrou no foco.

Ou considere Jeb Bush, uma vez aclamado na direita como "o melhor governador nos EUA", quando, na verdade, tudo o que ele fez foi ter a boa sorte de se manter no cargo durante uma enorme bolha imobiliária. Muitas pessoas agora parecem desconcertados pela incapacidade de Bush de apresentar propostas políticas coerentes, ou alguma boa razão para sua campanha. O que aconteceu com Jeb, o líder eficaz inteligente? Ele nunca existiu.

E tem mais. Lembra quando Scott Walker era o homem de futuro promissor? Lembra quando Bobby Jindal era brilhante?

Eu sei, agora tenho que ser imparcial e apontar questões equivalentes no lado democrata. Mas não há realmente nenhuma; nos EUA modernos, cultos de personalidades construídas em torno de políticos indignos parecem ser algo republicano.

É verdade que alguns liberais foram idealistas sobre Obama no início, mas o brilho desapareceu rápido, e o que restou foi um líder competente com algumas grandes conquistas em seu currículo —mais notavelmente, uma queda sem precedentes no número de americanos sem seguro de saúde. E Hillary Clinton é o sujeito de uma espécie de anti-culto da personalidade, cujas ações mais comuns são retratadas como nefastas. (Não, a história do e-mail não subiu para o nível de um "escândalo".)

O que nos leva de volta a Trump.

Tanto o establishment republicano e a punditocracia ficaram chocados com o contínuo apelo de Trump para a base do partido. É uma figura ridícula, eles se queixam. Suas propostas de políticas públicas, tais como são, são impraticáveis, e, mesmo assim, as pessoas não percebem a diferença entre ser uma liderança real e uma estrela de um reality show na TV?

Mas Trump não está sozinho em falar bobagens políticas. Tentar deportar todos os 11 milhões de imigrantes ilegais seria um pesadelo logístico e de direitos humanos, mas poderia ser concebivelmente possível; dobrar a taxa de crescimento econômico do país, como Jeb Bush prometeu que faria, é uma fantasia completa.

E enquanto Trump não exala dignidade presidencial, ele está buscando a indicação de um partido que outrora considerou uma ótima ideia botar George W. Bush em um uniforme de voo posando em frente a um porta-aviões.

O ponto é que aqueles que preveem a morte política iminente de Trump estão ignorando as lições da História recente, que nos dizem que "posers" com um talento especial para as relações públicas podem enganar o público por um tempo muito longo. Algum dia "O Donald" terá seu momento Katrina, quando os eleitores vão vê-lo como ele realmente é. Mas não conte que isso aconteça tão cedo.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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