Folha de S. Paulo


Republicanos contra a aposentadoria

Algo estranho está acontecendo nas primárias republicanas —algo estranho, ou seja, além do fenômeno Trump. Por alguma razão, quase todos os candidatos líderes que não Donald Trump tomaram uma posição profundamente impopular, uma posição de notória perda política, em uma importante questão de política interna. E é interessante perguntar por quê.

O assunto em questão é o futuro da seguridade social, que completou 80 anos na semana passada. O programa de aposentadoria é, naturalmente, extremamente popular, mas é também um alvo de longo prazo dos conservadores, que querem acabar com ele precisamente porque sua popularidade ajuda a legitimar a ação do governo em geral. Como o ativista de direita Stephen Moore (agora economista-chefe da Fundação Heritage) uma vez declarou, a seguridade social é "o ponto fraco do Estado social"; "finque sua lança nela" e você pode minar a coisa toda.

Mas isso foi há uma década, durante a tentativa do ex-presidente George W. Bush de privatizar o programa —e o que Bush aprendeu foi que o ponto fraco não era tão fraco assim. Apesar do ímpeto político vindo da vitória do Partido Republicano nas eleições de 2004, apesar do apoio de grande parte do establishment da mídia, o ataque à seguridade social rapidamente falhou. Os eleitores, ao que parece, gostam dela como ela é, e não querem que acabe.

É notável, então, que a maioria dos republicanos candidatos a presidente parece estar se alinhando para outra rodada de punição. Especialmente, eles estão declarando que a idade de aposentadoria –que já foi empurrada para cima de 65 anos para 66, e está programada para subir para 67– deve avançar ainda mais.

Assim, Jeb Bush diz que a idade da reforma deve ser empurrada para "68 ou 70 anos". Scott Walker ecoa essa posição. Marco Rubio quer tanto aumentar a idade da aposentadoria quanto cortar benefícios para os idosos de renda mais alta. Rand Paul quer aumentar a idade de aposentadoria para 70 anos e as exigências para obter benefícios. Ted Cruz quer reviver o plano de privatização Bush.

Oficialmente, essas propostas seriam políticas públicas muito ruins —um duro golpe para os americanos situados na metade inferior da distribuição de renda, que dependem da seguridade social, muitas vezes têm funções que envolvem trabalho braçal, e não viram, de fato, um grande aumento na expectativa de vida. Enquanto isso, o declínio das pensões privadas deixou os trabalhadores americanos mais dependentes de seguridade social do que nunca.

E não, a seguridade social não enfrenta uma crise financeira; sua escassez de financiamento de longo prazo poderia ser facilmente resolvida com aumentos modestos na receita.

Ainda assim, ninguém deve se surpreender com o espetáculo de políticos que endossam entusiasmadamente políticas destrutivas. O que é intrigante em relação ao ataque Republicano renovado à seguridade social é que ele parece política ruim, bem como uma má política pública. Os americanos adoram seguridade social, então, por que os candidatos não estão, pelo menos, fingindo compartilhar esse sentimento?

A resposta, eu sugiro, é que está tudo relacionado a grandes fortunas.

Indivíduos ricos têm desempenhado, há muito tempo, um papel desproporcional na política, mas nunca vi nada como o que está acontecendo agora: o domínio do financiamento de campanha, especialmente no lado republicano, por um pequeno grupo de doadores imensamente ricos. De fato, mais da metade dos recursos captados por candidatos republicanos até junho vieram de apenas 130 famílias.

E enquanto a maioria dos americanos adora seguridade social, os ricos não pensam assim. Dois anos atrás, um estudo pioneiro das preferências políticas dos muito ricos revelou vários contrastes entre as opiniões do público em geral; como era de se esperar, os ricos são politicamente diferentes de você e de mim. Mas em nenhum aspecto são tão diferentes como em relação à questão da seguridade social. Por uma margem muito ampla, os americanos comuns querem ver a seguridade social expandida. Mas por uma margem ainda mais ampla, o 1% dos americanos mais ricos querem vê-la acabada. E adivinha quais as preferências predominantes entre os candidatos republicanos?

Muitas vezes vemos análises políticas apontando, com razão, que a votação real das primárias é precedida por "primárias invisíveis" em que os candidatos concorrem ao apoio das elites cruciais. Mas quem são essas elites? No passado, podem ter sido membros do establishment político e outros líderes de opinião. Mas o que o novo ataque à seguridade social nos diz é que as regras mudaram. Hoje em dia, pelo menos no lado republicano, as primárias invisíveis foram reduzidas a uma competição deliberada de afeições e, é claro, ao dinheiro de algumas dezenas de plutocratas.

O que isto significa, por sua vez, é que o eventual candidato republicano –presumindo que não é Donald Trump— estará comprometido não apenas com um novo ataque contra a seguridade social, mas com uma agenda plutocrática mais ampla. Qualquer que seja a retórica, o partido republicano está a caminho de nomear alguém que tenha conquistado as grandes fortunas, prometendo um governo do 1% para o 1%.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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