Folha de S. Paulo


Zumbis contra o Medicare, programa público de saúde nos EUA

O Medicare, programa público de assistência à saúde dos maiores de 65 anos nos EUA, completa 50 anos nesta semana, e tem sido um cinquentão muito bom. Antes de o programa entrar em vigor, Ronald Reagan avisou que ele iria destruir a liberdade americana; isso não aconteceu, como qualquer um pode ver. O que ele fez foi proporcionar uma grande melhoria na segurança financeira dos idosos e de suas famílias e, em muitos casos, tem sido literalmente um salva-vidas.

Mas a direita nunca abandonou seu sonho de matar o programa. Então, realmente, não é uma surpresa que Jeb Bush tenha declarado recentemente que, enquanto ele quer deixar que aqueles que já participam do Medicare mantenham seus benefícios, "nós precisamos descobrir uma maneira de eliminar gradualmente este programa para os outros".

O que é um pouco surpreendente, porém, é o argumento que ele escolheu usar, que pode ter soado plausível há cinco anos, agora parece completamente desligado da realidade. Nesta, como em outras esferas, Bush muitas vezes parece que dormiu enquanto tudo aconteceu desde que ele deixou o gabinete de governador —afinal, ele ainda está se gabando da bolha do boom imobiliário da Flórida.

Na verdade, antes de chegar ao argumento de Bush, acho que preciso reconhecer que um porta-voz de Bush alega que o candidato não estava realmente pedindo o fim do Medicare, mas apenas falando de coisas como o aumento da idade de elegibilidade para o programa. Há duas coisas a dizer sobre esta afirmação. Em primeiro lugar, é claramente falsa: no contexto, Bush estava obviamente falando sobre a conversão do Medicare em um sistema de vales, na linha propostas por Paul Ryan.

E em segundo lugar, enquanto o aumento da idade para o Medicare tem sido uma ideia favorita de pessoas muito sérias em Washington, alguns anos atrás o Escritório de Orçamento do Congresso fez um cuidadoso estudo e descobriu que isso dificilmente pouparia algum dinheiro. Ou seja, neste ponto, o aumento da idade para o Medicare é uma ideia zumbi, que deveria ter sido morta por análises e provas, mas que ainda está lá fora, comendo os cérebros de algumas pessoas.

Porém, o verdadeiro argumento de Bush, ao contrário de tentativa idiota de sua campanha, é apenas um zumbi maior.

A verdadeira razão pela qual os conservadores querem acabar com o Medicare sempre foi política: é a própria ideia de o governo fornecer uma rede de segurança universal que eles odeiam e odeiam-na ainda mais quando tais programas são bem sucedidos. Mas quando eles apresentam seu ponto ao público normalmente fogem da realidade, e têm mesmo, incrivelmente, às vezes se colocado como defensores do programa contra os liberais.

O que os pretensos assassinos do Medicare costumam argumentar, em vez disso, é que o programa tal como a conhecemos é inviável —que temos de destruir o sistema, a fim de salvá-lo, que, como Bush colocou, nós devemos "passar para um novo sistema que permite (idosos) a terem algo— porque eles não vão ter nada". E o novo sistema que eles defendem normalmente é, como eu disse, os vouchers ou vales que podem ser aplicados para a compra de seguros privados.

A premissa subjacente aqui é que o Medicare como o conhecemos é incapaz de controlar os custos, que apenas a única maneira de manter cuidados de saúde acessíveis no futuro é contar com a magia de privatização.

Agora, esta foi sempre uma afirmação duvidosa. É verdade que para a maioria da história do Medicare seus gastos tem crescido mais rapidamente do que a economia como um todo —mas isso é acontece com as despesas de saúde em geral. Na verdade, os custos do Medicare por beneficiário têm consistentemente crescido mais lentamente do que os prêmios de seguros privados, o que sugere que o Medicare é, de alguma forma, melhor do que as seguradoras privadas no controle de custos. Além disso, outros países ricos com seguro de saúde fornecido pelo governo gastam muito menos do que nós, sugerindo novamente que os programas do tipo do Medicare podem realmente controlar os custos.

Ainda assim, os conservadores zombaram das medidas de controle de custos incluídas no Affordable Care Act, insistindo que nada menos do que a privatização iria funcionar.

E então aconteceu uma coisa engraçada: a aprovação da lei foi imediatamente seguida por uma pausa sem precedentes no crescimento dos custos do Medicare. Na verdade, os gastos do programa continuam cada vez mais abaixo das expectativas, de uma forma que revolucionou nossos pontos de vista sobre a sustentabilidade dele e dos gastos do governo como um todo.

Agora é, em outras palavras, um momento muito estranho estar falando sobre a impossibilidade de preservar o Medicare, um programa cujas finanças serão pressionadas pelo envelhecimento da população, mas não parece mais desastroso. Só podemos supor que Bush não tem conhecimento de tudo isso, que ele está vivendo dentro da bolha conservadora de informações, cujo impermeável escudo bloqueia todas as notícias positivas sobre a reforma da saúde.

Enquanto isso, o que o resto de nós precisa saber é que o Medicare ainda parece muito bem aos 50 anos. Ele precisa continuar trabalhando nos custos, vai precisar de alguns recursos adicionais, mas parece eminentemente sustentável. A única ameaça real que enfrenta é o de ataque de zumbis de direita.

Tradução Maria Paula Autran


Endereço da página: