Folha de S. Paulo


O sonho impossível da Europa

Há um pouco de uma calmaria nas notícias da Europa, mas a situação que se segue é tão terrível como antes. A Grécia está enfrentando uma queda pior do que a Grande Depressão, e nada do que está acontecendo agora oferece esperança de recuperação. A Espanha tem sido aclamada como uma história de sucesso, porque sua economia está finalmente crescendo –mas ainda tem 22% de desemprego. E há um arco de estagnação na parte superior do continente: a Finlândia está enfrentando uma depressão comparável à do sul da Europa, e a Dinamarca e a Holanda também estão indo muito mal.

Como é que as coisas deram tão errado? A resposta é que isso acontece quando políticos autoindulgentes ignoram a aritmética e as lições da História. E não, eu não estou falando de esquerdistas na Grécia ou em outro lugar; estou falando de homens ultra respeitáveis em Berlim, Paris e Bruxelas, que passaram um quarto de século a tentar administrar a Europa com base em uma economia de fantasia.

Para alguém que não sabe muito de economia, ou optou por ignorar perguntas embaraçosas, estabelecer uma moeda unificada soou como uma grande ideia. Tornaria os negócios além das fronteiras nacionais mais fáceis, enquanto serviria como um poderoso símbolo de unidade. Quem poderia ter previsto os enormes problemas que o euro acabaria por causar?

Na verdade, muita gente. Em janeiro de 2010 dois economistas europeus publicaram um artigo intitulado "Não pode acontecer, é uma má ideia, não vai durar", zombando de economistas americanos que haviam alertado que o euro iria causar grandes problemas.

Como se viu, o artigo foi um clássico acidental: no exato momento em que estava sendo escrito, todas aquelas terríveis advertências estavam em vias de serem justificadas. E o hall da vergonha em que se queria botar o artigo –a longa lista de economistas citados pelo estúpido pessimismo-tornou-se, em vez disso, uma espécie de quadro de honra, um "quem é quem" dos que mais ou menos acertaram.

O único grande erro dos eurocéticos era subestimar o tamanho do dano que a moeda única causaria.

O ponto é que ele não era de todo difícil de ver, desde o início, que uma união monetária sem uma união política era um projeto muito duvidoso. Então, por que a Europa foi em frente com isso?

Principalmente, eu diria, porque a ideia do euro soou muito boa. Ou seja, soou inovadora, de espírito Europeu, exatamente o tipo de coisa que apelam as pessoas que dão discursos em Davos. Tais pessoas não queriam economistas "nerds" dizendo que a sua visão glamourosa era uma má ideia.

Na verdade, dentro de elite da Europa tornou-se rapidamente muito difícil levantar objeções ao projeto da moeda. Lembro-me muito bem da atmosfera do início dos anos 1990: quem questionava a conveniência de o euro era efetivamente excluído da discussão. Além disso, se você fosse um americano que expressasse dúvidas você era invariavelmente acusado de segundas intenções –de ser hostil à Europa, ou de desejar preservar o "privilégio exorbitante" do dólar.

E o euro veio. Por uma década após a sua introdução uma enorme bolha financeira mascarou seus problemas subjacentes. Mas agora, como eu disse, todos os medos dos céticos têm sido justificados.

Além disso, a história não termina aí. Quando as tensões previstas e previsíveis em relação ao euro começaram, a resposta política da Europa foi impor austeridade draconiana aos países devedores –e negar a lógica simples e a evidência histórica que indicava que tais políticas iriam infligir danos econômicos terríveis e não conseguiriam alcançar a redução da dívida prometida.

É impressionante, mesmo agora, como altos funcionários europeus alegremente ignoraram avisos de que cortar os gastos do governo e aumentar os impostos causaria profundas recessões, como eles insistiram que tudo ficaria bem, porque a disciplina fiscal inspiraria confiança (isso não aconteceu).

A verdade é que tentar lidar com grandes dívidas por meio apenas de austeridade –em particular, ao perseguir simultaneamente uma política dura em relação ao dinheiro– nunca funcionou. Não funcionou para a Grã-Bretanha após a Primeira Guerra Mundial, apesar de imensos sacrifícios; por que alguém iria esperar que funcionasse para a Grécia?

O que a Europa deveria fazer agora? Não há boas respostas –mas a razão pela qual não há boas respostas é que o euro se transformou em uma armadilha da qual é difícil escapar. Se a Grécia ainda tivesse a sua própria moeda, o caso de desvalorizá-la, melhorando a competitividade grega e acabando com a deflação, seria irresistível.

O fato de que a Grécia já não tem uma moeda, que teria que criá-la a partir do zero, aumenta muito os riscos. Meu palpite é que a saída do euro ainda será necessária. E, de qualquer forma, será essencial para amortizar a maior parte da dívida da Grécia.

No entanto, nós não estamos tendo uma discussão clara sobre essas opções, porque discurso europeu ainda é dominado por ideias que a elite do continente gostaria que fossem verdadeiras, mas não são. E a Europa está pagando um preço terrível por esta autoindulgência monstruosa.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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