Folha de S. Paulo


Lutando contra o "derp"

Quando se trata de economia –de outros assuntos também, mas vou focar no que conheço melhor– vivemos em uma época de "derp" e cinismo barato. E existem forças poderosas por trás de ambas as tendências. Mas essas forças podem ser combatidas, e o lugar para começar a luta é dentro de si mesmo.

Sobre que estou falando? "Derp" é um termo emprestado do desenho animado "South Park", que alcançou ampla aceitação entre as pessoas com quem falo, porque é uma abreviação útil para uma característica muito óbvia do cenário intelectual moderno: as pessoas continuam dizendo a mesma coisa independentemente das evidências de que aquilo está completamente errado.

O exemplo por excelência é a propagação do medo da inflação. Talvez, tenha sido perdoável para economistas, especialistas e políticos alertar sobre a inflação galopante há alguns anos, quando o Federal Reserve [o banco central americano] estava apenas começando seus esforços para ajudar uma economia deprimida. Afinal, todo mundo faz previsões ruins de vez em quando.

Mas fazer a mesma previsão errada ano após ano, não reconhecendo os erros do passado ou considerando a possibilidade de se ter o modelo errado de como a economia funciona – bem, isso pode ser chamado de "derp".

E há um monte de "derp" aí fora. A inflação "derp", em particular, tornou-se mais ou menos uma posição desejada entre os republicanos. Mesmo os economistas com reputações sólidas, cujo trabalho devia tê-los tornado céticos em relação à histeria da inflação, passaram anos ecoando a paranoia dos investidores em ouro. E isso nos diz por que esse "derp" permanece: a razão é basicamente política.

É uma questão de fé na direita que qualquer tentativa do governo para combater o desemprego deve levar ao desastre, de modo que os fiéis devem manter a previsão de desastres não importa quantas vezes ela não se materialize.

Ainda assim, todo mundo não faz isso? Não, e é aí que entra o cinismo barato.

É verdade que os vendedores do "derp" politicamente inspirado são rápidos em acusar os outros do mesmo pecado. Por exemplo, logo no início da administração de Obama, Robert Lucas, laureado com o Nobel da Universidade de Chicago, acusou Christina Romer, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Obama, de fraude intelectual. Sua análise da política fiscal, declarou ele, era apenas "uma racionalização muito nua para políticas que já estavam, sabemos, decididas por outras razões".

Mas esse tal de "derp" não é universal. Há também uma abundância de análise genuína, honesta aí fora –e você não tem que ser um especialista para saber a diferença.

Eu já mencionei um sinal revelador de "derp": previsões que seguem sendo repetidas não importa o quão estiveram no passado. Outro sinal é a prescrição de uma política imutável, como a afirmação de que cortar as taxas de impostos sobre os ricos, que se defende o tempo todo, é também a resposta perfeita para uma crise financeira pela qual ninguém esperava.

No entanto, um outro é um apelo à apresentação de respostas a longo prazo para os eventos de curto prazo –por exemplo, uma redução permanente do governo em resposta a uma recessão.

E aqui está a questão: se você olhar para o que Romer e muitos outros keynesianos tinham a dizer, nenhum desses sinais reveladores estavam presentes. Eles defenderam manter os gastos mesmo com deficit como uma resposta a uma grave recessão, não um elixir universal, e as medidas que exigiam, como gastos com infraestrutura e apoio orçamental aos governos estaduais, foram projetadas para serem temporárias e não uma expansão permanente (e o estímulo de 2009, de fato, desapareceu da programação).

Então o "derp" não é destino. Mas como você pode - sendo um perito, um decisor político, ou simplesmente um cidadão preocupado - proteger-se contra "derpitude"? A primeira linha de defesa, eu diria, é estar sempre desconfiado de pessoas dizendo o que você quer ouvir.

Assim, se você é um conservador contrário a uma rede de seguridade mais forte, você deve ser extremamente cético sobre alegações de que a reforma da saúde está prestes fracassar, especialmente se vierem de pessoas que fizeram a mesma previsão no ano passado e no ano anterior (Obamacare "derp" é quase tão profundo quanto inflação "derp").

Mas se você é um liberal que acredita que devemos reduzir a desigualdade, deve ser cauteloso da mesma forma sobre os estudos que se propõem a mostrar que a desigualdade é responsável por muitos dos nossos males econômicos, de crescimento lento à instabilidade financeira. Esses estudos podem estar corretos - o fato é que há menos "derp" na esquerda americana do que na direita - mas ainda é preciso lutar contra a tentação de deixar a conveniência política ditar suas crenças.

Lutar contra o "derp" pode ser difícil, principalmente porque pode perturbar os amigos que querem ser tranquilizados por suas crenças. Mas você deve fazê-lo de qualquer maneira: é o seu dever cívico.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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