Folha de S. Paulo


Conhecimento não quer dizer poder

Os leitores habituais de minha coluna sabem que às vezes zombo das "pessoas muito sérias" - políticos e sabichões que repetem solenemente verdades convencionais vistas como objetivas e realistas. O problema é que parecer sério e ser sério de modo algum são a mesma coisa, e algumas dessas posições aparentemente firmes na verdade são maneiras de evitar as questões realmente difíceis.

Um exemplo recente e importante é a "síndrome de Bowles-Simpson", que envolve desviar o discurso da elite de uma tragédia em curso, o alto desemprego no país, para a supostamente crucial questão de como exatamente custearemos nossos programas de previdência social dentro de duas décadas. Essa obsessão específica, fico feliz por dizer, parece estar desaparecendo.

Mas minha sensação é a de que existe uma nova forma de falsa seriedade em ascensão, com o objetivo de evitar as questões importantes. Desta vez, a evasão envolve tentar mudar o curso de nosso debate sobre a desigualdade e transformá-lo em uma discussão sobre os supostos problemas da educação.

E o motivo para que isso seja uma evasão é que, não importa o que as pessoas sérias desejem acreditar, a desigualdade que não para de crescer não se relaciona à educação; ela gira em torno de poder.
Para deixar claro: favoreço uma melhora na educação. A educação é minha amiga. E deveria estar disponível para todos, e a preço acessível.

Mas o que continuo a ver são pessoas insistindo em que problemas na educação são a raiz de nossa criação de empregos ainda fraca, dos salários estagnados e da crescente desigualdade. Isso parece sério e ponderado. Mas na verdade é uma posição contrariada por boa parte das provas disponíveis, bem como uma maneira de tentar escapar a um debate real, que inevitavelmente tornaria necessário tomar partido.

A história que confere à educação posição central nos nossos problemas se desenrola assim: vivemos em um período de mudanças tecnológicas sem precedentes, e número excessivo de norte-americanos não dispõem da capacitação que seria necessária para lidar com essas mudanças. Essa "lacuna de capacitação" é que segura o crescimento, porque as empresas não conseguem encontrar os trabalhadores de que precisam. E isso também alimenta a desigualdade, porque os salários dos trabalhadores com a capacitação requerida disparam, e os dos menos educados ficam estagnados ou declinam. Assim, o que precisamos é de mais e melhor educação.

Meu palpite é que essa história parece familiar - é exatamente aquilo que ouvimos dos apresentadores de programas matutinos aos domingos, nos artigos de opinião de líderes de negócios como Jamie Dimon, presidente-executivo do JPMorgan Chase, e nos "estudos de orientação" do Hamilton Project, um esforço de pesquisa centrista da Brookings Institution. É algo repetido com tanta frequência que muita gente provavelmente presume que seja verdade. Mas não é.

Para começar, o ritmo da mudança tecnológica é realmente tão rápido assim? "Queríamos carros voadores, e o que conseguimos foram 140 caracteres", resmungou o ranzinza Peter Thiel, veterano do setor de capital para empreendimentos. O crescimento da produtividade, que passou por um breve surto de alta forte depois de 1995, parece ter se desacelerado acentuadamente.

Além disso, não existem provas de que o emprego não vem crescendo por conta de uma lacuna na capacitação. Afinal, se as empresas estivessem desesperadas por obter trabalhadores dotados de determinadas capacitações, estariam oferecendo salários generosos para atrai-los. Mas onde estão essas profissões afortunadas? Pode-se encontrar exemplos isolados aqui e ali. Interessantemente, alguns dos maiores avanços de salários aconteceram entre os operários capacitados - operadores de máquina de costura, soldadores de caldeiras -, agora que alguns empregos industriais estão retornando aos Estados Unidos. Mas a ideia de que os trabalhadores de alta capacitação estão em forte demanda no mercado em geral é falsa.

Por fim, embora a história que correlaciona educação e desigualdade possa um dia ter parecido plausível, ela se afastou da realidade há muito tempo. "Os salários das pessoas mais capacitadas e mais bem pagas continuaram a crescer firmemente", segundo o Projeto Hamilton. Na verdade, considerada a inflação, os salários dos norte-americanos com nível mais elevado de educação não avançaram em nada do final dos anos 90 para cá.

O que está acontecendo de verdade, então? Os lucros das empresas dispararam como proporção da renda nacional, mas não existe sinal de alta no retorno sobre o investimento. Como isso é possível? Bem, é o que se deve esperar se a alta no lucro reflete poder de monopólio e não retorno sobre o capital.

Quanto aos salários, os diplomas universitários não importam - todos os grandes ganhos beneficiam alguns poucos indivíduos que ocupam posições estratégicas em grandes empresas ou nas encruzilhadas das finanças. A desigualdade crescente não se relaciona a quem tem e não tem conhecimento, mas a quem detém o poder.

Bem, há muito que podemos fazer para corrigir esse desequilíbrio de poder. Podemos impor tributos mais altos às grandes empresas e aos ricos, e investir os proventos em programas que ajudem as famílias de classe trabalhadora. Podemos elevar o salário mínimo e facilitar a sindicalização dos trabalhadores. Não é difícil imaginar um esforço realmente sério para tornar os Estados Unidos menos desiguais.

Mas dada a determinação de um dos grandes partidos quanto a adotar políticas diametralmente opostas, advogar um esforço como esse faz com que o proponente pareça parcial. E daí deriva o desejo de fazer com que a coisa toda seja vista como um problema na educação. Mas é preciso que reconheçamos essa evasão tão comum pelo que realmente é: uma fantasia sem nada de sério.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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