Folha de S. Paulo


Por amor ao carbono

Não deveria causar surpresa que o primeiro esforço do novo Senado sob controle republicano seja uma tentativa de forçar o presidente Barack Obama a aprovar o oleoduto Keystone XL, que transportaria aos Estados Unidos petróleo extraído das areias oleaginosas canadenses. Afinal, dívidas precisam ser pagas, e o setor de petróleo e gás natural –que na eleição de 2014 deu 87% de suas contribuições ao Partido Republicano– espera ser recompensado por seu apoio.

Mas por que esse projeto ambientalmente problemático é prioridade em um momento de forte queda nos preços mundiais do petróleo? Bem, a posição do partido, expressa por pessoas como Mitch McConnell, o novo líder da maioria no Senado, é a de que o que importa é criar empregos. E isso é verdade: o Keystone XL poderia elevar ligeiramente o nível de emprego nos Estados Unidos. O projeto poderia, de fato, substituir quase 5% dos empregos que os Estados Unidos perderam por conta de cortes destrutivos nos gastos federais, que resultaram diretamente da chantagem republicana sobre o limite da dívida pública.

Oh, e não venha dizer que esses casos são completamente diferentes. Não se pode afirmar que gastos com um oleoduto consistentemente criam empregos mas gastos do governo não o fazem. Vamos recuar por um minuto e discutir princípios econômicos.

Por mais de sete anos - desde o estouro das bolhas da habitação e da dívida na era Bush -, a economia dos Estados Unidos vem sofrendo de demanda inadequada. Os gastos totais simplesmente não bastam para empregar plenamente os recursos do país. Em um ambiente como esse, qualquer coisa que eleve os gastos cria empregos. E se os gastos privados estão deprimidos, um aumento temporário nos gastos públicos deve substitui-los. É por isso que a grande maioria dos economistas acredita que o pacote de estímulo de Obama de fato reduziu o nível de desemprego, ante o nível que ele poderia ter atingido caso o estímulo não tivesse acontecido.

Desde o começo, porém, os líderes republicanos defenderam a posição oposta, insistindo em que deveríamos reduzir os gastos públicos mesmo diante de alto desemprego. E eles conseguiram o que queriam. Os anos posteriores a 2010, quando os republicanos tomaram o controle da Câmara, foram marcados por queda sem precedentes nos gastos per capita do governo, e essa queda só se nivelou em 2014.

As provas indicam claramente que esse tipo de austeridade fiscal em uma economia deprimida é destrutivo; se as notícias econômicas foram melhores nos últimos meses é em parte porque os governos federal, estaduais e locais por fim pararam de cortar seus gastos. E os cortes de gastos resultaram, especialmente, em muitos empregos perdidos.

Quando o Serviço Orçamentário do Congresso foi questionado sobre quantos empregos seriam perdidos por conta da limitação de gastos federais imposta pelos republicanos a partir de 2011, sob a ameaça de que, sem os cortes, eles causariam calote da dívida pública norte-americana, a melhor estimativa a que a organização chegou foi de 900 mil. E isso é apenas parte da perda.

Seria desnecessário dizer que as partes culpadas por isso jamais admitirão que estavam erradas. Mas se você observar de perto o seu comportamento, verá claros sinais de que não acreditam em sua própria doutrina.

Considere, por exemplo, o caso dos gastos militares. Quando o assunto são possíveis cortes nos gastos com contratos de defesa, políticos que costumam proclamar que cada dólar gasto pelo governo vem em detrimento do setor privado subitamente começam a falar dos empregos que serão destruídos. Começam até a falar do efeito multiplicador, porque a queda nos gastos dos trabalhadores do setor de defesa causará perdas de emprego em outros setores. O ex-deputado Barney Frank definiu o fenômeno como "keynesianismo armado".

E os argumentos em favor do Keystone XL são muito semelhantes; podemos definir o projeto como "keynesianismo para o carbono". Sim, aprovar o oleoduto mobilizaria algum dinheiro que de outra forma ficaria ocioso, e ao fazê-lo criaria empregos –42 mil na fase de construção, de acordo com a estimativa mais citada. (Depois de construído, o oleoduto empregaria apenas algumas dezenas de trabalhadores.) Mas gastos do governo com estradas, pontes e escolas teriam o mesmo efeito.

E os ganhos de emprego com o oleoduto representariam apenas uma minúscula fração –menos de 5%– dos empregos perdidos com o corte compulsório de gastos públicos, que por sua vez são apenas uma parte dos estragos causados pelos cortes de gastos em geral. Se McConnell e companhia realmente acreditam em que precisamos de mais gastos para criar empregos, por que não apoiar um esforço para modernizar a deteriorada infraestrutura dos Estados Unidos?

O que deveria ser feito quanto ao Keystone XL, portanto? Se você acredita que ele prejudicará o meio ambiente –e eu acredito–, deveria se opor ao projeto e ignorar as afirmações sobre criação de empregos. Os números que vêm sendo propalados são minúsculos, diante da força de trabalho dos Estados Unidos como um todo. E, de qualquer forma, o argumento de que o oleoduto cria empregos é basicamente uma piada doentia vindo de pessoas que fizeram tudo que podiam para destruir empregos nos Estados Unidos –e agora estão empregando os mesmos argumentos que usaram para ridicularizar os programas de emprego do governo a fim de justificar grandes concessões aos seus amigos no setor de combustível fóssil.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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