Folha de S. Paulo


A nova geração do vodu econômico

Mesmo que os republicanos conquistem maioria no Senado dos Estados Unidos este ano, e com isso tenham o controle das duas casas do Congresso, não ganharão muito em termos convencionais. Eles já têm a capacidade de bloquear projetos de lei, e continuarão incapazes de derrubar um veto presidencial. Uma coisa que poderão fazer, porém, é impor sua vontade ao Serviço Orçamentário do Congresso, que até agora sempre serviu como árbitro apartidário quanto a propostas de política pública.

Como resultado, podemos em breve nos ver profundamente imersos em vodu econômico.

Durante sua campanha fracassada pela indicação presidencial republicana em 1980, George Bush pai definiu a doutrina econômica do "supply-side", defendida pelo rival Ronald Reagan, como "vodu econômico". A definição que ele usou para a política, que alegava que cortar os impostos sobre as rendas mais altas resultaria em espetacular crescimento econômico, se tornou famosa, e Bush estava certo. Mesmo a rápida recuperação da recessão de 1981-1982 foi propelida por cortes nas taxas de juros, e não pelos cortes de impostos. Ainda assim, por algum tempo os defensores do vodu econômico se alegaram justificados em sua crença.

Os anos 90, porém, foram um mau período para o vodu econômico. Os conservadores confiantemente previram um desastre econômico depois do aumento de impostos que Bill Clinton adotou em 1993. O que aconteceu em lugar disso foi um boom que superou a expansão de Reagan em todas as dimensões: Produto Interno Bruto (PIB), salários e renda familiar.

E embora os suspeitos usuais jamais tenham admitido que seu deus havia fracassado, vale mencionar que o governo de Bush filho - que não hesitava em alardear suas políticas sob falsos pretextos - não tentou justificar seus cortes de impostos com alegações extravagantes sobre o benefício que trariam à economia. Os economistas de George Bush filho não acreditavam nos exageros sobre o supply-side, e, mais importante, seus coordenadores políticos consideravam que esse tipo de exagero pegaria mal com o público. E devemos também apontar para o fato de que o Serviço Orçamentário do Congresso se comportou bem na era Bush, se apegando à sua missão de análise apartidária.

Mas agora parece que o vodu econômico está de volta. Em nível estadual, governadores republicanos - especialmente o governador Sam Brownback, do Kansas - vêm apelando a cortes ferozes de impostos a despeito de seus problemas orçamentários, afirmando confiantemente que o crescimento resolverá todos os problemas. Isso não está acontecendo, e no Kansas uma rebelião dos moderados do Partido Republicano pode entregar o Estado aos democratas. Mas os verdadeiros crentes não dão qualquer sinal de vacilação.

Enquanto isso, no Congresso, o deputado Paul Ryan, presidente do Comitê Orçamentário da Câmara, está sinalizando que depois da eleição ele e os colegas farão o que Bush e os seus jamais fizeram, tentando pressionar o serviço orçamentário a adotar um método de "cálculo dinâmico", ou seja, a presumir que os cortes de impostos terão excelentes resultados econômicos.

Assim, por que isso está acontecendo agora? Não é porque o vodu econômico tenha subitamente se tornado mais crível. É verdade que a recuperação da recessão de 2007-2009 foi lenta, mas na verdade aconteceu um pouco mais rápido do que costuma ser o caso depois de crises financeiras, a despeito de cortes sem precedentes nos gastos do governo e no emprego. De fato, a recuperação do emprego no setor privado foi mais rápida do que durante o "boom de Bush". Ao mesmo tempo, pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI), analisando dados recolhidos em todo o país, constataram que a redistribuição de renda dos afluentes aos pobres, que os conservadores insistem ser prejudicial ao crescimento, na realidade parece estimular as economias.

Mas fatos não deterão o retorno do vodu econômico, por dois motivos principais.

Primeiro, o vodu econômico domina o movimento conservador há tanto tempo que este se tornou um culto introspectivo, cujos membros sabem o que sabem e são invulneráveis a influências externas. Há 15 anos, os líderes republicanos talvez estivessem cientes de que o boom de Clinton representava um problema para sua ideologia. Hoje, alguém como o senador Rand Paul pode dizer: "Quando foi a última vez que nosso país criou milhões de emprego? Foi no governo de Ronald Reagan". Que Clinton, que nada.

Segundo, a natureza do debate orçamentário significa que os líderes republicanos precisam acreditar na força da magia. Há anos pessoas como Ryan posam de defensores da disciplina fiscal, ainda que advoguem imensos cortes de impostos para os indivíduos ricos e as grandes empresas. Elas também apelam por cortes ferozes na assistência aos pobres, mas eles jamais foram altos o bastante para compensar a perda de arrecadação. Como fechar a conta, então?

Bem, há anos eles vêm confiando em asteriscos mágicos - alegações de que a arrecadação perdida será compensada pela eliminação de lacunas e cortes de gastos, e os detalhes ficam para discussão posterior. Mas essa evasão vem perdendo a eficácia, com o passar dos anos, já que a discussão dos detalhes nunca acontece. Inevitavelmente, portanto, eles se deixam seduzir pela magia negra - e se dominarem o Senado, poderão injetar vodu econômico em análises supostamente neutras.

Será que de fato o fariam? Isso destruiria a credibilidade de uma instituição muito importante, que vem servindo bem ao país. Mas você já viu alguma indicação de que o moderno movimento conservador liga para esse tipo de coisa?

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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