Folha de S. Paulo


O milagre do Medicare

O que você acha das cifras relativas ao Medicare? Ainda não ouviu falar delas? Bem, elas não viraram notícia de primeira página. Mas alguma coisa notável vem acontecendo nos gastos com a saúde e deveria transformar uma parte grande de nosso debate político (mas provavelmente não o fará).

A história até agora é o seguinte: todos nós já vimos projeções de deficits federais gigantescos nas próximas décadas, e há todo um setor dedicado a lançar avisos agourentos sobre o orçamento e exigir cortes na seguridade social, Medicare e Medicaid.

Mas os analistas políticos sabem há muito tempo que não existe tal programa e que é a saúde, e não a aposentadoria, que alimentava essas projeções assustadoras. Por que? Basicamente porque, historicamente, os gastos com a saúde cresceram muito mais que o PIB, e presumia-se que essa tendência fosse se manter.

Mas aconteceu algo inesperado: os gastos com a saúde diminuíram nitidamente e já estão bem abaixo das projeções traçadas poucos anos atrás. Essa diminuição está especialmente pronunciada no Medicare, que está gastando US$1.000 a menos por beneficiário do que projetou o Escritório Orçamentário do Congresso há apenas quatro anos.

É um fato realmente importante, por pelo menos três motivos.

Primeiro, nossa suposta crise fiscal foi adiada, talvez por tempo indefinido. O governo federal continua a ter deficits, mas estão muito menores. É verdade que os deficits provavelmente vão crescer de novo dentro de alguns anos, mesmo porque os "baby boomers" vão se aposentar e começar a receber benefícios.

Mas, hoje em dia, as projeções da dívida federal como porcentagem do PIB a mostram crescendo a passo de tartaruga, não de lebre. Provavelmente teremos que levantar mais receita em algum momento, mas o abismo fiscal de longo prazo está parecendo muito mais administrável do que os críticos do deficit querem que você pense.

Em segundo lugar, o aumento menor dos gastos com o Medicare ajuda a refutar uma explicação comum da redução do aumento dos custos com a saúde de modo geral: que seria principalmente uma consequência de uma economia deprimida e que os gastos voltarão a crescer quando a economia se recuperar. Isso pode explicar gastos privados baixos, mas o Medicare é um programa governamental e não deve ser afetado pela recessão. Em outras palavras, as boas notícias sobre os custos da saúde são para valer.

Mas a que se devem essas boas notícias? A terceira grande implicação do milagre dos custos do Medicare é que tudo o que os suspeitos de sempre andam dizendo sobre a responsabilidade fiscal está errado.

Há anos analistas vêm acusando o presidente Barack Obama de não tentar reduzir os gastos com benefícios sociais. Essas acusações sempre envolveram pensamento mágico em relação a políticas públicas, supondo que bastaria Obama realmente querer que poderia convencer os republicanos a negociar com boa fé. Mas as acusações também descartavam implicitamente, como se fossem inúteis, todas as medidas de controle de custos incluídas na Affordable Care Act (a lei da reforma da saúde).

Parece que os analistas políticos não enxergam o controle de custos como algo real a não ser que envolva a redução de benefícios. Quando a administração Obama rejeitou propostas de que fosse elevada a idade mínima para o direito ao Medicare, um analista chegou a dizer que "estão ferrando a América".

Mas o que ficou claro é que elevar a idade mínima para acesso ao Medicare praticamente não teria poupado dinheiro. Enquanto isso, o Medicare está gastando muito menos que o previsto, e isso pode ser atribuído pelo menos em parte àquelas medidas de controle de custos incluídas na Obamacare (a reforma da saúde). As ideias convencionais sobre o que é sério e o que não é estão totalmente equivocadas.

Já que estamos falando de custos da saúde, há duas outras notícias das quais você precisa tomar conhecimento.

Uma delas envolve as supostas economias propiciadas usando seguradoras com fins lucrativos para operar o Medicare. É assim que funciona o benefício de medicamentos, e os conservadores adoram dizer que esse benefício acabou custando muito menos que o projetado, o que, segundo eles, prova que a privatização é a solução. Mas o Escritório do Orçamento tem um relatório novo sobre o tema, no qual constata que a privatização não tem nada a ver com o assunto.

Na realidade, a parte de medicamentos do Medicare está custando menos que o previsto em parte porque menos pessoas que o previsto se inscreveram para o benefício e em parte porque a ausência de novos medicamentos de grande efeito levou a uma redução geral nos gastos farmacêuticos.

A segunda notícia envolve o "susto com o preço" que adversários da reforma da saúde vêm prevendo há anos. A novidade: ainda não está acontecendo. De modo geral, parece que os prêmios de seguro-saúde terão alta apenas modesta no ano que vem, e devem ficar iguais ou até cair de preço em vários Estados, entre eles o Connecticut e Arkansas.

Qual é a moral da história? Políticos e analistas insistiram durante anos que a saúde garantida é um sonho impossível, apesar de todos os outros países avançados contarem com ela. Dar cobertura de saúde a quem não a tinha era visto como economicamente inviável; o Medicare como o conhecemos era considerado insustentável. Mas os fatos mostraram que medidas incrementais para aumentar incentivos e reduzir custos podem ter grandes efeitos e que dar cobertura médica a quem não a tinha não é difícil.

Quando se trata de garantir que os americanos tenham acesso à saúde, a mensagem dos dados é simples: "Yes, we can".

Tradução de CLARA ALLAIN


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