Folha de S. Paulo


Osborne e os patetas

Tenho certeza de que havia um episódio de "Os Três Patetas" no qual Curly Joe não parava de bater a cabeça na parede. Quando Moe lhe perguntava o motivo, a resposta era: "Porque quando paro a sensação é tão gostosa".

Para mim, a piada era engraçada. Mas jamais imaginei que a lógica de Curly Joe um dia se tornaria o principal arrazoado usado por importantes dirigentes econômicos para justificar suas políticas desastrosas.

O retrospecto: em 2010, a maioria dos países ricos do planeta, ainda que continuassem em profunda depressão depois da crise financeira, optou pela austeridade fiscal, cortando gastos e, em alguns casos, elevando impostos, em um esforço para reduzir os deficit orçamentários que haviam disparado com o colapso de suas economias. A Economia básica dita que a austeridade, em uma economia já deprimida, aprofunda a recessão. Mas os "austeristas", como muita gente começou a chamá-los, insistiam em que os cortes de gastos poderiam conduzir a expansão econômica, porque trariam mais confiança às empresas.

O resultado obtido é o mais próximo equivalente possível a um experimento controlado que a macroeconomia pode realizar. Passados três anos, a fadinha da confiança não apareceu. Na Europa, onde a ideologia austerista se instalou com mais firmeza, a recuperação econômica nascente logo se converteu em recessão de duplo mergulho. De fato, a esta altura os principais indicadores de desempenho econômico tanto na zona do euro quanto no Reino Unido estão abaixo do que estavam no mesmo ponto da Grande Depressão dos anos 30.

É verdade que o custo humano não foi nem de longe tão severo quanto nos anos 30. Mas isso se deve a políticas governamentais como a proteção a empregos, e a uma forte rede de segurança social - exatamente as políticas que os austeristas insistiam em desmantelar, em nome da "reforma estrutural".

Foi mesmo a austeridade que causou o estrago? Bem, a correlação é bastante clara: quanto mais severa a austeridade, pior o desempenho econômico. Considere o caso da Irlanda, um dos primeiros países a impor austeridade extrema, e muita citada no começo de 2010 como um exemplo para os demais países. Passados três anos, depois de repetidas declarações de que o pior já tinha passado, a Irlanda continua a ter desemprego em dois dígitos, ainda que centenas de milhares de irlandeses em idade de trabalho tenham emigrado.

O efeito depressivo da austeridade em um momento de crise, para resumir, é tão claro quanto qualquer coisa pode ser nos anais da história econômica. Mas os austeristas jamais admitiriam seu erro. (Em minha experiência, quase ninguém o faz.) E agora eles estão usando os mais recentes números para se declararem justificados, afinal. Porque alguns dos países que adotaram medidas de austeridade voltaram a crescer. O Reino Unido parece estar demonstrando um salto significativo; a Irlanda por fim teve um trimestre decente; até a economia da Espanha mostra modestos sinais de vida. E os austeristas estão realizando paradas de vitória.

O exemplo mais descarado talvez seja George Osborne, o chanceler do Erário (ministro das Finanças) britânico e o principal proponente do pacote de austeridade de seu país. Tão logo surgiram números positivos quanto ao crescimento, Osborne declarou que "aqueles que defendem um plano B" - ou seja, uma alternativa à austeridade - "perderam a discussão".

Bem, vamos considerar essa alegação, deixando de lado a observação geral de que flutuações ao longo de um ou dois trimestres em geral não dizem muito.

Primeiro, o crescimento recente do Reino Unido não muda a realidade de que quase seis anos se passaram desde que o país entrou em recessão, e o Produto Interno Bruto (PIB) continua abaixo de seu pico anterior à crise. Se consideramos de uma perspectiva mais distanciada, ainda estamos diante de um lamentável fracasso - como eu apontei acima, um histórico pior que o desempenho britânico na era da Grande Depressão.

Segundo, é importante compreender a história da austeridade no Reino Unido de Osborne. O governo de que ele faz parte passou seus dois primeiros anos de mandato cuidando de coisas grandes: reduzindo acentuadamente o investimento público, aumentando o imposto nacional de vendas, e mais. Depois disso, seu ritmo de atividade diminuiu; a austeridade não foi revertida, mas tampouco foi tornada muito mais severa.

E o fato é que economias tendem a crescer, a não ser que continuem a ser atingidas por choques adversos. Não surpreende, portanto, que a economia britânica se tenha reanimado, assim que Osborne parou de castigá-la.

Mas será que isso representa uma justificação de suas políticas de austeridade? Apenas se você aceitar a lógica dos Três Patetas, sob a qual faz sentido continuar batendo a cabeça na parede porque quando você para a sensação é gostosa.

Estou bem ciente, claro, de que os austeristas podem ganhar pontos políticos, ainda assim. Os cientistas políticos nos dizem que os eleitores são míopes, que julgam seus líderes com base no crescimento econômico dos 12 meses anteriores a uma eleição, e não por seu desempenho geral no posto. Assim, um governo pode presidir a anos de recessão se conseguir engendrar uma recuperação nos minutos finais da partida.

Mas isso é política. Quando o assunto é economia, a única resposta possível ao absurdo senso de triunfo dos austeristas é rir como os Três Patetas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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