Folha de S. Paulo


Califórnia, lá vamos nós?

Nem seria preciso dizer que o lançamento do Obamacare foi um desastre épico. Mas que tipo de desastre? Foi um desastre de gestão, atrapalhando a implementação inicial de uma política fundamentalmente sólida? Ou foi uma demonstração de que a Lei de Acesso à Saúde é inerentemente disfuncional?

Sabemos o que os políticos de cada lado da divisa partidária gostariam que o público acreditasse. O governo Obama está dizendo ao público que tudo terminará corrigido, e insta os democratas do Congresso a manterem o controle dos nervos. Os republicanos, de sua parte, declaram o programa um fracasso irrecuperável que precisa ser eliminado e substituído por... bem, na realidade eles não querem que seja substituído por coisa alguma.

Em um momento como esse, o que seria realmente necessário para remover as dúvidas seria uma experiência controlada. O que aconteceria caso lançássemos um programa parecido com o da reforma da saúde de Obama (conhecido como Obamacare), em um lugar parecido com os Estados Unidos, mas com uma equipe competente de gestão que produzisse um site funcional?

Bem, para atender a esse desejo, senhoras e senhores, apresento-lhes a Califórnia.

A Califórnia não é, de fato, o único lugar em que o Obamacare parece estar se saindo bastante bem. Diversos Estados que optaram por operar mercados próprios de planos de saúde online, em lugar de dependerem do site federal HealthCare.gov, estão se saindo muito bem. O Kynect é um sucesso, no Kentucky; o Access Health CT, do Connecticut, também. Nova York .tem desempenho satisfatório E não devemos esquecer de que Massachusetts têm em vigor um programa parecido com o Obamacare desde 2006, implementado por um sujeito chamado Mitt Romney.

Mas a Califórnia representa um ambiente de teste especialmente útil. Para começar, é um mercado imenso: se um sistema é capaz de funcionar para 38 milhões de pessoas, é capaz de funcionar para o país como um todo. Além disso, é difícil argumentar que a Califórnia desfruta de outras vantagens especiais que não a de contar com um governo que deseja de fato ajudar as pessoas desprovidas de cobertura de saúde. Quando Massachusetts colocou o Romneycare em vigor, pouca gente no Estado estava desprovida de planos de saúde. Mas a Califórnia iniciou a reforma da saúde com 22% de sua população não idosa desprovida de cobertura de saúde, ante uma média nacional de 18%.

Por fim, as autoridades californianas se provaram especialmente transparentes no que tange a divulgar dados que rastreiam o avanço das adesões. E os números são cada vez mais encorajadores.

Para começar, o número de adesões está em alta. A esta altura, mais de 10 mil formulários de inscrição estão sendo apresentados a cada dia, o que coloca o Estado a meio caminho de cumprir sua meta geral de cobertura de saúde para 2014. Imagine, aliás, como o noticiário seria diferente, hoje, caso Obama tivesse produzido sucesso comparável e cerca de 100 mil pessoas ao dia estivessem se inscrevendo no plano nacionalmente.

As informações sobre quem está se inscrevendo têm igual importância. Para funcionar de acordo com o plano, a reforma da saúde precisa gerar um pool de risco equilibrado - ou seja, precisa contar com a adesão de norte-americanos jovens e saudáveis, e não só com a de seus compatriotas mais velhos e de saúde mais precária E até o momento, está funcionando: em outubro, 22,5% dos inscritos na Califórnia tinham idade dos 18 aos 34 anos, o que representa representação um pouco superior ao peso populacional dessa faixa etária.

O que temos na Califórnia, portanto, é um teste de conceito. Sim, o Obamacare pode funcionar - na realidade, caso o trabalho seja executado como deve, o plano funciona muito bem.

A má notícia, claro, é que a maioria dos norte-americanos não tem a sorte de viver em Estados nos quais o Obamacare tenha sido implementado direito. Estão presos ou ao site HealthCare.gov ou a um dos mercados estaduais, como o do Oregon, que apresentam problemas parecidos ou ainda piores. Será que essas pessoas um dia poderão desfrutar de uma reforma bem sucedida na saúde?

A resposta é que provavelmente sim. Não haverá um momento em que as nuvens repentinamente se dispersem, mas os mercados estaduais de títulos de saúde estão melhorando gradualmente, um ponto exemplificado inadvertidamente pelo presidente republicano da Câmara dos Deputados, John Boehner, alguns dias atrás. Boehner encenou um golpe de publicidade sob o qual tentou se inscrever no mercado de planos de saúde de Washington, e depois triunfalmente postou em seu blog que não havia conseguido fazê-lo. Logo abaixo do post, porém, há um pós-escrito no qual ele admite que o mercado de planos de saúde ligou para ele "horas mais tarde", e que ele está de fato inscrito.

E talvez a transação tivesse sido concluída mais rápido se o escritório de Boehner não tivesse, segundo os administradores do mercado de planos de saúde de Washington, deixado o funcionário que ligou para ele por 35 minutos na espera telefônica, "ouvindo canções patrióticas".

Também devem surgir novos atalhos para resolver os problemas - por exemplo encorajar as pessoas a procurar diretamente as administradoras de planos de saúde. Isso representará uma derrota temporária para um dos propósitos da criação de mercados de planos de saúde, ou seja, facilitar a comparação de preços, mas servirá suficientemente bem como remédio de curto prazo. E não devemos esquecer que as operadoras de planos de saúde têm grande interesse financeiro no sucesso do Obamacare e em breve devem envidar grandes esforços para facilitar a adesão dos norte-americanos.

O lançamento do Obamacare, cabe repetir, foi um desastre. Mas na Califórnia podemos ver que cara terá a reforma da saúde quando os defeitos forem sanados. E o plano vai funcionar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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