Folha de S. Paulo


Mapa da tortura

RIO DE JANEIRO - "Aqui não existe Deus, nem pátria, nem família, só existe nós e você."

A frase foi ouvida –e reproduzida à Comissão Nacional da Verdade– por Dulce Pandolfi em 20 de agosto de 1970 ao entrar no quartel do Exército da rua Barão de Mesquita, na Tijuca, zona norte do Rio. Era a sede do DOI-Codi, o braço da repressão mais temido por militantes da esquerda que lutavam contra a ditadura militar. Pandolfi foi submetida à tortura física e psicológica. Sentiu o horror de um jacaré andando sobre seu corpo nu. No mesmo lugar pantanoso, o deputado Rubens Paiva foi visto pela última vez com vida.

É o primeiro da lista dos 230 "locais associados a graves violações de direitos humanos" identificados em 21 Estados e no Distrito Federal.

No Estado do Rio, o mapa aterrorizante da tortura aponta 38 endereços. Atravessa a capital de norte a sul, passa pela baixada, o interior e a serra fluminenses. Chega ao hoje turístico presídio na Ilha das Flores. Desvenda a pouco conhecida Casa de São Conrado, onde o delegado Sérgio Paranhos Fleury vinha dirigir cenas de tortura. Não poupa nem o Hospital Central do Exército, em Benfica, onde as vítimas não só não recebiam socorro como eram por vezes submetidas a sevícias. Inclui ainda quatro navios, onde militares foram torturados por militares.

"Meus carrascos afirmaram que me suicidariam' na prisão, caso eu revelasse os fatos que ouvi, vi e que me contaram", relatou Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte, em Petrópolis.

Ela e outros contaram o que viram, ouviram e sofreram. Mesmo com eventuais falhas, o relatório da Comissão da Verdade deveria ser leitura obrigatória para aquela minoria (7%) que tem ido às ruas com cartazes pela volta dos militares ao poder. Para a segurança dos 66% dos brasileiros que apontam a democracia como melhor caminho a seguir.


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