Folha de S. Paulo


O caminho do Pedregulho

RIO DE JANEIRO - Do alto, são como serpentes de concreto em meio ao caos construído sobre as montanhas da cidade. Um em Benfica, na desfavorecida zona norte ("Pedregulho"), e outro na Gávea, na favorecida zona sul ("Minhocão"). Os conjuntos projetados por Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) representam o tempo perdido pelo país em política habitacional. Completam-se neste mês 50 anos desde sua morte.

Hoje, 84% dos brasileiros vivem em cidades. Calcula-se que o deficit habitacional seja de 7 milhões.

O Pedregulho tem 328 apartamentos em três blocos, sendo o principal um prédio sinuoso de 270 metros, que acompanha as curvas sinuosas da encosta. Foi construído para abrigar funcionários públicos e recebeu famílias deslocadas de áreas de risco. Deteriorado, passa por cuidadoso trabalho de restauração desde 2010, custeado pelo governo do Estado.

É uma obra-prima, com caráter social. Da concepção dos espaços comuns, dos cobogós que permitem a ventilação, a entrada de luz até as variadas divisões internas e a vista deslumbrante em todos os apartamentos.

Em 1953, o júri da 1ª Bienal de São Paulo considerou o Pedregulho como "um simples exemplo de como toda cidade deveria ser formada". Não sem alertar: "O júri lamenta que a obra fique isolada, surgindo entre bairros formados anarquicamente".

Na concepção de Reidy, todo bairro deve ter habitação popular. Morar próximo ao trabalho resolve a questão do transporte. Mas não basta. É preciso ter ao alcance educação, saúde, mercado etc.

A habitação é elemento fundamental na estrutura de uma cidade. Não se enfrenta os ricos interesses privados que a envolvem. "A função habitar não se resume à vida de dentro de casa", dizia Reidy. Sua obra inspira arquitetos e urbanistas do mundo todo. Aqui, o tema está longe dos palanque. Poucos políticos parecem entender e se sensibilizar.


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