Folha de S. Paulo


Poucos comentários sobre julgamento do TSE mostram desafio para as eleições

Carvall/Folhapress
ilustra coluna ombu

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral de não cassar a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, apelando a tecnicalidades duvidosas para não reconhecer o abuso do poder econômico no pleito de 2014, expõe a resiliência das estruturas de poder viciadas do sistema político brasileiro.

Entre leitores, usuários de redes sociais, jornalistas e comentaristas políticos, as manifestações em favor da decisão dos ministros do TSE foram mínimas. Até a manhã de sábado, as que contei não somavam os dedos de uma das mãos.

Os que contestaram o resultado expressaram sentimentos de indignação misturados a galhofas -"foi o primeiro caso de absolvição por excesso de provas", ironizou um.

O leitor do jornal não se pode dizer surpreso com o resultado do TSE. Desde o fim dos mandatos de dois ministros desse tribunal, os jornais publicaram repetidas vezes a estratégia do presidente Michel Temer de escolher nomes de sua confiança, que "matassem no peito", na já célebre expressão brasiliense, a reação da opinião pública à manutenção de seu mandato.

Na edição impressa do sábado (10), a Folha publicou manchete que buscou ir além do registro do resultado: "Gilmar desempata e TSE absolve Michel Temer por quatro a três". "O Estado de S. Paulo" seguiu na mesma linha: "TSE mantém Temer na Presidência por 4 votos a 3". "O Globo" foi mais interpretativo: "TSE ignorou provas".

Exauridos pelo excesso de horas de transmissão e cobertura ao vivo pela TV e pelos sites, leitores pouco se manifestaram sobre a cobertura jornalística. Concentraram-se em comentar o resultado.

A cobertura da Folha não se destacou. O tempo era curto, reconheço, mas a edição não conseguiu fazer um resumo de qualidade dos pontos principais dos votos dos ministros. Era esse o requisito essencial, a ser calibrado com análise e bastidores, para ajudar o leitor a formar opinião própria.

O julgamento está superado, mas não a crise política. O presidente da República deve ser denunciado pelo Ministério Público, talvez enfrentando a acusação de chefe de quadrilha criminosa. Em meio ao descrédito de tantas instituições, caberá à imprensa fazer valer seu papel de agente fiscalizador.

No lado institucional, a história cobrará dos ministros aquilo que o relator do processo chamou de "cegueira deliberada". No lado jornalístico, que lição pode tirar a imprensa do processo, dos elementos de corrupção levantados e do resultado?

Quem abrir linhas independentes e vigorosas de investigação terá mais chance de mostrar-se essencial para seus leitores.

Uma das coisas que lamento é perceber o papel lateral que as investigações jornalísticas tiveram tanto no processo do TSE como na maioria dos processos da Operação Lava Jato. Mais do que reflexo de instituições, o jornalismo precisa ter motor próprio.

A cobertura da eleição de 2018 desde já se levanta como um desafio imenso para os jornalistas. Depois de tudo o que foi apurado a respeito dos subterrâneos das campanhas, será difícil aceitar que predomine cobertura meramente declaratória, sem esforços estruturais, financeiros e investigativos para esquadrinhar candidatos e partidos.

Em meio à crise, os jornais têm à frente de si oportunidades, sim, mas também responsabilidades.

OMBUDSMANS DA OMBUDSMAN

Na semana passada, ao comentar a surpreendente e equivocada decisão do jornal "The New York Times" de acabar com o cargo de ombudsman, corroborei leitor que afirmou: "A maioria dos leitores é 'achista'. Achismo é bem diferente de jornalismo".

Recebi críticas. O leitor Flávio Fonseca viu "arrogância e prepotência da classe que se acha a senhora da razão e detentora absoluta do conhecimento universal".

O leitor Sergio Holl Lara argumentou que "existem achistas e não achistas" e que entre os leitores há pessoas com formação e experiência que darão opiniões abalizadas, com as quais se poderá concordar ou não.

Peço desculpas aos que se ofenderam. Vale explicar. As opiniões do leitor são fundamentais e base do trabalho de seu representante. Há muitos tipos de leitor, diferentes opiniões. Nem melhores nem piores. Cabe ao ombudsman ouvi-las, entendê-las e passá-las para a Redação. Nem leitores podem ser a única voz a ser ouvida, nem o ombudsman pode desprezá-los.

Repito que a função fortalece o leitor e facilita o diálogo com a Redação -e a cobrança.

É mais necessário do que nunca ouvir a voz dos leitores. O ambiente de mudança exige que a função se renove e se qualifique.

Por isso, agradeço que os leitores sejam também ombudsmans da ombudsman.


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