Folha de S. Paulo


O que vem depois da luta do século da última semana

Pedro Cidade/Bruno Oliveira/Futura Press/Folhapress
Bonecos de Lula em manifestações contra e a favor do ex-presidente no dia de seu depoimento à Lava Jato
Bonecos de Lula em manifestações contra e a favor do ex-presidente no dia do depoimento à Lava Jato

Havia um tom de embate épico, de luta marcial política, na cobertura jornalística que preparava o leitor para o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro, ocorrido na última quarta-feira (10). Em consonância com as redes sociais, a cobertura estimulou torcidas passionais a se manifestarem, mobilizando milhares de policiais na capital paranaense.

Ao final do depoimento, sem agressões verbais descabidas ou ameaças de prisão, ficou certo clima de frustração entre leitores/torcedores. Era, afinal, uma etapa importante da investigação de um dos cinco processos em que é réu um ex-presidente da República, sem que, no entanto, houvesse razão para o clima de uma final de campeonato.

No dia seguinte, o fim do sigilo das delações do marqueteiro João Santana e de sua mulher, Mônica Moura, levou o ex-presidente de volta às manchetes. Segundo eles, Lula dava a palavra final no caixa dois das campanhas eleitorais do PT.

Leitores têm questionado o que há de provas materiais de crimes na Lava Jato, além de declarações acusatórias nascidas de delações premiadas. Incomoda a alguns a reprodução acrítica de depoimentos.

Exemplos: Emílio Odebrecht disse "não ter dúvidas" de que Antonio Palocci "podia ser" operador do PT. João Santana comentou da seguinte maneira críticas de Lula à então presidente da Petrobras, Graça Foster, que estaria fechando a torneira das empreiteiras: "Visto de trás para diante, pode parecer que tem algo a mais. Eu não posso dizer isso com convicção, mas cria uma nuvem de significados que podem ser um pouco diferentes..."

Já são 155 acordos de colaboração premiada. O trabalho é árduo. Os repórteres têm de ouvir criticamente depoimentos longuíssimos, juntar as histórias relatadas por uns com as contadas por outros, encontrar e decifrar documentos entregues à Justiça, problematizar versões e contraversões e explicar ao leitor de que provas ou indícios os delatores se fazem acompanhar.

Os jornais têm evidentemente de cumprir o papel de noticiar logo os fatos mais importantes. Assim o leitor espera. Com as condições mínimas, todos fazem mais ou menos a mesma coisa. Reproduzem trechos dos depoimentos, contextualizando do jeito que dá.

É preciso, no entanto, que os jornais em geral, e a Folha em particular, almejem papel de maior relevância. Se atuarem apenas como transmissores, são dispensáveis.

Entendo a cobrança dos leitores sobre a publicação do que existe de provas concretas. A Folha tem de ser cuidadosa em suas afirmações, ao mesmo tempo em que precisa demonstrar que indícios constroem circunstâncias que podem formar a convicção do juiz e daí levarem à condenação de determinado acusado. Não é necessário, como parte dos leitores acredita, que existam provas materiais como extratos bancários, papéis assinados irrefutáveis, confissões de culpa gravadas, vídeos de encontros etc.

Não se pode provar com probabilidades, como disse um ministro do STF, mas um somatório de indícios pode se tornar prova cabal que permita atribuir um crime a alguém.

Em 7 de maio, a Folha publicou reportagem que indica um caminho a seguir. Nela, revelou que depoimentos de delatores da Odebrecht e materiais entregues como prova ao Ministério Público Federal contêm erros factuais, contradições e inconsistências, em casos que envolvem governadores e parlamentares, entre outros acusados.

Urge que trabalho semelhante venha a ser feito com os personagens principais da Lava Jato.

A Folha precisa investir, sofisticar e melhorar muito a exploração de sua plataforma digital.

Com tanta notícia acontecendo o tempo todo, a versão digital é ferramenta decisiva pelo espaço ilimitado, pela possibilidade de atualização, pelas potencialidades que lhe são características. Em meio ao telecatch da política, o leitor é quem fica zonzo. Cabe ao jornal mostrar-se capaz de colocá-lo no eixo.


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