Folha de S. Paulo


Pior profissão? Veja relatos de repórteres da Folha

Questionei alguns repórteres da Folha de diferentes gerações e áreas de atuação se concordavam com o resultado da pesquisa, por que persistem na profissão e se já testemunharam alguma ameaça à liberdade de imprensa.

Destaco os principais pontos de suas respostas.

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"Eu me sinto feliz como repórter. A graça do jornalismo está em poder ser testemunha ocular da história do nosso tempo. E só o repórter vive a história ao vivo e em cores.

Eu não me sinto ameaçado nem creio que haja ameaças nos grandes centros. Mas é óbvio que, no interiorzão, há sérias ameaças, sim, bem como em países como o México, por exemplo, para não mencionar Venezuela e outras ditaduras, abertas ou disfarçadas"

CLÓVIS ROSSI, 74 anos, repórter especial e colunista, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por um Nuevo Periodismo Iberoamericano

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"O repórter ainda é quem faz a história andar no jornalismo, quem desvenda o que poderosos querem esconder. Há um certo romantismo nessa visão, mas é isso que me move: o furo e a revelação, narrados de uma maneira clara e direta.

O que causa stress é saber que a profissão corre o risco de extinção, ao menos do modo como existiu no século 20, e a demissão é uma perspectiva muito palpável. O que estressa é não ver perspectiva alguma de futuro. "No future" deixou de ser um slogan punk; virou um mote real."

MARIO CESAR CARVALHO, 56 anos, repórter especializado em jornalismo investigativo, autor dos livros "O Cigarro" e "Carandiru - Registro Geral"

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"Penso que o atual clima político/econômico/social, associado aos sucessivos cortes nas redações, esteja contaminando bem o estado de ânimo do repórter, deixando-o sem muita perspectiva. As críticas públicas, muitas vezes infundadas e disseminadas como pólvora nas redes sociais, sem dúvida, é outro importante fator de estresse. Tenho 30 anos de reportariado e o que ainda me faz perseverar é a crença de que podemos, a partir das nossas matérias, promover mudanças na sociedade e trazer mais transparência aos processos nas esferas públicas."

CLÁUDIA COLLUCCI, 49 anos, repórter especial e colunista especializada em saúde, autora de "Quero ser mamãe" e "Por que a gravidez não vem?"

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"Uma coisa boa de ser repórter, principalmente na atualidade, é poder desenvolver seu trabalho sem ter que adotar um lado ou vestir ardorosamente uma camisa. A busca pela isenção, inerente ao jornalismo, ajuda a manter uma posição equilibrada sobre os fatos, em tempos nos quais até os grupos de discussão familiares nas redes sociais são ringues.

A mudança que tenho percebido é que os repórteres têm muito menos tempo para fazer suas apurações e muitas vezes são seduzidos pela busca apenas pelas fontes oficiais. A Lava Jato acentuou um movimento da imprensa de procurar vazar documentos da Polícia Federal, Ministério Público, Justiça e advogados, e não desenvolver investigações próprias. É preciso buscar as pessoas comuns em seus locais de trabalho e nas ruas, para não esquecermos para quem nós trabalhamos."

FLÁVIO FERREIRA, 44 anos, repórter investigativo e vencedor do Prêmio Folha 2016 com reportagem sobre sítio ligado a Lula

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"Eu acho profissão de repórter a melhor do mundo. Tenho o privilégio de conhecer pessoas incríveis e contar parte da história delas, tentar entender movimentos que mudam o mundo, denunciar problemas que prejudicam muita gente.

Hoje em dia, todo mundo é opinador compulsivo. Mas nada substitui a testemunha ocular, o repórter fuçador, que vai ouvir as diferentes versões, procurar os documentos, entrevistar as pessoas afetadas por determinadas políticas e as pessoas que formulam essas políticas.

Comparando o Brasil como países como a Turquia, acho difícil dizer que não existe liberdade de imprensa no país. Acho que a maior ameaça à imprensa hoje é a perda de credibilidade. Para muitos leitores ou 'consumidores de notícias', a notícia replicada e às vezes deturpada pelo site xis tem o mesmo valor que a reportagem produzida pelo jornal tradicional, visto cada vez mais como enviesado. E algumas vezes, de fato, os jornais ou TVs são enviesados."

PATRÍCIA CAMPOS MELLO, 42 anos, repórter especial e colunista, fez três viagens à Síria, única repórter brasileira a conseguir entrevistar um comandante do Estado Islâmico

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"Tenho certo desânimo com a forma como a notícia é disseminada hoje. Escrevo sobre política, e qualquer matéria que faça e não seja um publieditorial de uma causa (à direita ou à esquerda) me faz alvo de um ódio personalizado sem tamanho nas redes sociais. Você cria uma casca para isso. O desgosto maior é perceber que grande parte do leitorado parece querer consumir apenas o que já vai ao encontro de suas certezas.

Ainda acho que é possível mudar o mundo de pouquinho em pouquinho com o jornalismo, seja com matérias que nos dão um sorriso no rosto, seja com denúncias etc. É preciso não se acomodar com matérias burocráticas. O jornal vai embrulhar o peixe no dia seguinte? Vai. Mas... "Scripta manent" (TEMER, Michel, 2015)."

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, 30 anos, foi correspondente internacional durante a última eleição americana e atualmente é repórter do caderno Poder


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