Folha de S. Paulo


Ódio e ética

Em geral, a melhor maneira de lidar com os "haters", ou odiadores, essa categoria cuja voz é amplificada pelas redes sociais, é ignorá-los. Mas isso vale para o jornalismo também? Quando os odiadores se transformam em notícia?

Nesta semana, a mídia brasileira se confrontou com o problema. No dia seguinte ao que a ex-primeira-dama Marisa Letícia foi internada, após sofrer um acidente vascular cerebral, houve protesto e buzinaço em frente ao Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Jornalistas publicaram em redes sociais laudos de exames privados que detalhavam a gravidade do seu estado de saúde.

Nada disso apareceu nas publicações em papel dos grandes jornais brasileiros. Uma coisa ou outra foi publicada nas versões digitais. Pelo fato de um meio ser diferente de outro, os padrões éticos são diferentes? A resposta é um simples não. Os jornais não podem nem devem ser mais transigentes com seus valores nas versões digitais.

A semana se complicou após a divulgação pelo jornal "O Globo", em sua versão digital, do relato de conversas de médicos em grupos de mensagens instantâneas.

A reumatologista Gabriela Munhoz divulgou dados sigilosos sobre a saúde de Marisa, em meio a ironias e gozações de integrantes do grupo. "Tem que romper no procedimento. Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela", escreveu o neurocirurgião Richam Faissal Ellakkis.

As edições impressas dos principais jornais omitiram a troca de mensagens. "O Globo" não publicou no impresso seu furo jornalístico. Coluna sobre os comentários dos médicos foi o texto de maior leitura do site da Folha desde a tarde de quinta até a de sexta-feira.

Os jornais erraram. O comportamento descabido de médicos era notícia. Mais por revelar quem são do que divulgar o que comentavam.

A Folha assumiu ter cometido erro de avaliação ao não publicar o caso no jornal em papel. O texto na versão digital, entretanto, tinha uma característica que incomodou os leitores. Omitia os nomes dos médicos que fizeram os comentários odiosos. O jornal reproduzia informação à qual não tivera acesso direto, como "O Globo" teve. Sem confirmação própria, preferiu omiti-los. A decisão foi prudente, mas constrangedora para um jornal como a Folha.

O bom senso deveria ser o bem mais repartido no mundo, mas a realidade insiste em contestar tal boa intenção. O jornalismo não pode abrir mão dele.

*

Falta diversidade

A Folha anunciou os 15 finalistas do 5º Concurso de Ilustração do jornal. Foram 803 inscritos. A maior parte dos candidatos eram homens, jovens e de São Paulo. Uma participante reparou que não havia nenhuma mulher entre os selecionados, apesar de elas serem 25% dos inscritos (199).

Integrante do júri, o editor da Ilustrada, Ivan Finotti, explicou que os vencedores foram escolhidos exclusivamente pelos desenhos. Os nomes dos autores constavam apenas do verso das obras. "Uma divisão por cotas, fossem elas quais fossem, seria uma decisão artificial e descabida", disse.

O caso não é ter ou não cotas. Ao não prestar atenção no perfil dos escolhidos, o jornal abriu mão de montar uma equipe mais diversificada e, assim, oferecer estilos, ideias e ironias mais ricas.

Em outubro de 2016, relatei que leitores criticavam a falta de diversidade ideológica das páginas de humor. O jornal afirmou que buscaria "corrigir desequilíbrios". Para o secretário de Redação, Vinicius Mota, houve avanço na busca dessa diversidade. Citou como tal a contratação do cartunista Hubert para a página dois da Folha.

O desafio não é fácil. Os chargistas são de esquerda ou a direita tem senso de humor limitado? Para o cartunista Georges Wolinski, o humor é de esquerda. "É uma lucidez na forma de ver a sociedade que a direita não tem, por estar comprometida com a ordem estabelecida."

*

A ombudsman sai em férias. A coluna volta em 12 de março.


Endereço da página: