Folha de S. Paulo


O golpe da falsa notícia

O golpe do falso sequestro volta e meia aterroriza famílias. Até pessoas bem informadas e controladas são vítimas dele. O roteiro é conhecido.

Toca o telefone, em geral na madrugada para que a vítima esteja despreparada. Vem o relato de um suposto familiar sequestrado, vozes confusas ao fundo, com um pedido de socorro. Quanto mais o recebedor do telefonema tenta confirmar que se trata de um parente, mais informação dá ao criminoso. Quanto mais crente ele se mantiver, mais funcional será o golpe. Não é à toa que a recomendação é desligar o aparelho imediatamente.

Há um golpe novo na praça. O golpe da notícia falsa. Em meio à crise política da semana passada, quando o STF discutia o afastamento do presidente do Senado, Renan Calheiros, foi-me encaminhada mensagem de pessoa próxima. Dizia reproduzir notícia relevante. Tinha como título: "Temer faz reunião emergente com o comando militar". O erro crasso de trocar reunião "urgente" por "emergente" me fez, depois de alguns risos, ir adiante.

"Caso senadores aprovem medidas contra a Lava Jato, o Exército entrará em ação por ordem do presidente Michel Temer (...). Segundo fontes do Congresso, Michel Temer solicitou uma reunião com os comandos das forças militares para pedir apoio em seu plano para conter a corrupção e dar uma resposta para sociedade, antes que o caos tome conta do país. (...) Primeiro ele faria a solicitação de fechamento do Congresso, para que seja mantida a operação Lava Jato. Depois seria solicitado por ele uma intervenção militar, para que todos, sem exceção, sejam investigados e processados. E os militares ficariam no poder do país até se organizassem novas eleições."

A "notícia", de pouco mais de 500 palavras, prosseguia, em português ruim e ideias toscas. Não vale a pena continuar a reproduzi-la. Foi fácil rastrear sua origem. Um suposto site de bastidores da notícia, produzido por um radialista e um engenheiro, com um lema: "Nossa bandeira jamais será vermelha".

Outro site tem nome que busca confundir os leitores para que o tomem como a seção política da Folha. Em geral, reproduz notícias da imprensa, mas com títulos distorcidos. Exemplo: "Lula se prepara para deixar o país", afirma um de seus post, cujo conteúdo não ampara a afirmação sustentada no título.

São apenas dois casos entre muitos dos que circulam por aí. Apesar do pensamento e dos formatos toscos, não há inocência neles. As redes sociais estão repletas de armadilhas e de gente ganhando dinheiro de forma eticamente condenável.

A comunicação empresarial e a política recorrem com frequência a robôs que criam contas falsas e espalham conteúdo em escala industrial. Esse conteúdo -algumas vezes propagandístico, outras vezes falso- atende a interesses. É pago por alguém que lucra com ele. Muitas vezes é dinheiro, outras é poder político ou dividendos eleitorais.

Perfis falsos podem amplificar a rede de seguidores de determinado político ou inflar discussões sobre pontos de vista específicos -a favor ou contra determinado tema. Espalham também notícias falsas.

Os algoritmos das redes que definem o que aparece na página de cada usuário dão preferência a temas que são comentados por muitas pessoas. Por isso, gasta-se dinheiro para obter o efeito manada, no qual um empurra o post do outro sem nem saber por que o faz.

Em 29 de novembro, o jornal "The New York Times" mostrou que notícias falsas divulgadas online e pelas redes sociais tiveram um alcance maior nos meses finais da campanha presidencial dos EUA do que os artigos produzidos pelas principais organizações de notícias.

O presidente Barack Obama reclamou do que chamou de "nuvem de nonsense" que paira sobre todos.

Gigantes da internet como Facebook e Google prometeram analisar seus papéis na disseminação de notícias falsas. O Google anunciou que proibiria sites com notícias falsas de usarem seu serviço de anúncios online. O Facebook, além de medida semelhante, prometeu estudar formas de criar meios de os usuários denunciarem conteúdo suspeito.

No Brasil, na última campanha eleitoral, intensificou-se na internet a manipulação de ideias, fatos e de imagens de personagens políticos. Essa manipulação estimula a psicologia do boato e se aproveita dela.
Estudiosos já apontaram que boatos, em termos de conteúdo e motivação, multiplicam-se a partir de um tripé: medo, ódio ou desejo. É o que não tem faltado no cenário sociopolítico brasileiro.

Como recomendou editorial do "NYT", a cura para o falso jornalismo é uma dose esmagadora de bom jornalismo. Para tal, os consumidores de notícias precisam estar mais dispostos à cura do que à enfermidade.


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