Folha de S. Paulo


A novidade que vem das escolas desafia os jornais

Em junho de 2013, uma onda de manifestações ocupou as ruas do Brasil, numa dimensão crescente por ninguém imaginada. No final de 2015, o movimento secundarista chegou ao noticiário quando diversas escolas de São Paulo foram ocupadas em protesto contra a proposta de reorganização escolar do governador Geraldo Alckmin (PSDB). A mobilização resultou na suspensão do projeto, que fecharia escolas.

Em abril de 2016, alunos de escolas técnicas paulistas ocuparam prédios públicos em protesto contra a qualidade da merenda escolar.

Desde o início de outubro, estudantes de várias partes do Brasil, mais vistosamente no Paraná, detonaram novo movimento de ocupação de escolas. Protestam contra a medida provisória da reformulação do ensino médio e o projeto de emenda constitucional que cria teto para gastos públicos e pode reduzir investimentos em educação. Reclamam da falta de discussão com quem interessa, os estudantes.

Lydia Megumi/Folhapress
Ilustração coluna ombudsman

A Folha noticiou de forma tímida a movimentação. Para dar ideia da extensão, na sexta, segundo entidades estudantis, havia 123 universidades e 1.197 escolas ocupadas no país; cerca de 850 no Paraná.

O leitor Adjalma Rodrigues da Silva cobrou manchete: "Ninguém entrevista os estudantes, mostra o que está acontecendo? Onde fica o nosso direito à informação?".

O editor do núcleo de Cidades, Eduardo Scolese, defendeu as opções editoriais. "O jornal acompanha desde o início, registrou o avanço das ocupações e passou a dar mais destaque nesta semana, com a morte do estudante e o recrudescimento da tensão entre os alunos e aqueles contrários às ocupações. O tema é relevante e merece nossa total atenção", afirmou.

A meu ver, a cobertura até aqui foi protocolar, apesar de reportagem de mais fôlego no sábado.

O leitor da Folha não teve ainda oportunidade de conhecer em profundidade os protagonistas do movimento e seus antagonistas. As ocupações são, para grande parte deles, a primeira experiência política.

O que se espera da Folha é que consiga interpretar o movimento, dando voz aos jovens e fomentando debate com os mais velhos.

Como se não bastassem o fato em si e suas implicações, surgiu uma personagem que reúne ideias concatenadas, articulação linguística e atitude altiva. Quem viu os dez minutos e 39 segundos da fala de Ana Júlia Pires Ribeiro, 16 anos, na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná, percebeu que ela tem o que dizer e merece ser ouvida.

Na quarta, 16, nenhum grande jornal noticiou a inusual presença de estudantes na tribuna. Na quinta, às 12h53, o site da revista econômica americana "Forbes" captou a importância da fala da jovem. Só às 19h a Folha colocou no ar perfil de Ana Júlia, recuperando o discurso.

"De quem é a escola? A quem ela pertence?", questionou a estudante. Com a humildade de dizer que os jovens ainda têm dificuldade de formar um pensamento, colocou a imprensa na dança, exaltando seu papel na formação do senso crítico.

"Nós temos de ler tudo o que a mídia nos passa, fazer um processo de compreensão, de seleção, para daí conseguir ver a que a gente vai ser a favor e o que a gente vai ser contra. E é um processo difícil."

O jornal tem de oferecer mais informação analítica e consistente a uma geração bombardeada por informações de todos os lados.

Disse Ana Júlia: "Uma semana de ocupação nos trouxe mais conhecimento sobre política e cidadania do que muitos outros anos que vamos ter em sala de aula".

Não cabe aqui ser contra ou a favor seus pontos de vista, mas é emocionante vê-la defendendo-os com tanta clareza, equilíbrio e paixão.

Talvez tenha sido o melhor discurso político da história recente. Tem notícia nele. E felicidade.

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Os números da Folha

A direção da Folha enviou dados consolidados da Empresa Folha da Manhã, que edita o jornal, em 2015, quando registrou receita líquida de R$ 707,9 milhões e lucro líquido de R$ 9,4 milhões.

Resultado citado na coluna do último domingo (23) não considerava as unidades de negócio -Datafolha, Publifolha, Livraria da Folha e Transfolha-, que estão sob mesma direção e estrutura contábil/financeira e operacional.


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