Folha de S. Paulo


A conta da notícia

Um dos jornais mais lidos do mundo anunciou na quarta-feira: "Nas próximas semanas, vamos lançar uma versão reformulada do nosso jornal impresso. O novo produto será mais vivo, mais agudo e mais conciso. Ele também irá apresentar uma organização mais coerente, com alguma consolidação de seções no papel e das equipes que as produzem".

Jornal de maior tiragem impressa dos Estados Unidos, "The Wall Street Journal", com circulação total de 2,3 milhões, sendo 60% em cópias em papel, divulgou reformulações do jornal, além de um programa de demissão voluntária.

"The New York Times" e "El País" já haviam anunciado mudanças, sempre em direção ao jornalismo digital, com redações redimensionadas e edições em papel menores.

2016 confirma-se como um ano difícil para os jornais em todo o mundo. Com acelerada queda de faturamento em publicidade, o primeiro semestre foi definido como sombrio. A previsão é que o ano terá a maior queda desde a crise de 2009.

O anúncio de mudanças soa familiar ao leitor da Folha. No Brasil, a crise no setor de comunicação começou há alguns anos, com o declínio da publicidade. O ano de 2010 ainda foi bom, especialmente em razão do mercado imobiliário. Vem de imóveis, setor automotivo e varejo a maior parte da receita publicitária do segmento impresso.

Esses setores foram atingidos em cheio pela crise geral da economia brasileira, que agravou a situação das principais empresas jornalísticas, como revelam os balanços.

A Folha encerrou 2015 com receita líquida de R$ 526 milhões e lucro líquido de R$ 2,6 milhões. Em 2016, apesar do aperto maior da crise, espera fechar o ano no azul. Reduziu pessoal, cortou papel, remodelou editorias, na premente corrida contra o encolhimento do orçamento.

O cenário não foi róseo para a Folha, mas se desenhou ainda pior para os concorrentes diretos.

"O Estado de S. Paulo" fechou 2015 com receita líquida de R$ 440 milhões e prejuízo de R$ 3 milhões. A empresa que edita "O Globo" obteve receita de R$ 667 milhões, com prejuízo de R$ 51,5 milhões. Nada indica que 2016 será melhor.

Cresceu a pressão por aumento mais rápido da receita digital, dominada por poderosas organizações como Google e Facebook.

Como definiu o "WSJ", estes são dias de acelerar as mudanças no modelo de negócio do jornal. "Vão sobreviver e prosperar nesse ambiente em evolução as empresas de notícias que operarem de forma mais eficiente na produção de notícias em todas as plataformas que os leitores precisam e demandam."

Por que a ombudsman da Folha se dedica ao tema? Porque diz respeito a você, leitor, e à sociedade em que vive. Que não se entenda como tentativa de justificar falhas ou piora de qualidade. O leitor continua pagando, tem direitos e deve exigir que o jornal seja cada vez melhor.

Desde que assumi a função de ombudsman, há seis meses, não houve semana em que não recebesse mensagem de leitor lamentando o corte de um caderno ou protestando contra a diminuição de espaço.

"Venho observando a Folha despencar, seja em número de cadernos, de páginas, na qualidade das tirinhas, dos horóscopos, mas, principalmente, com devidas e respeitáveis exceções, nos teores jornalísticos, analíticos e opinativos", criticou um dos mais severos leitores.

Mais que futuro, a realidade da imprensa já é ser consumida por meio de multiplataformas, com a versão impressa cada vez mais tendo seu espaço reduzido.

Segue essencial saber hierarquizar e priorizar —notícias, recursos, equipes, espaço editorial. É preciso remoldar e refundar os jornais, tornando o impresso sustentável.

A questão central é encontrar o modelo de negócio capaz de dar vida a uma publicação independente, crítica e com capacidade investigativa, resumiu Caio Túlio Costa, especialista em investigação do futuro dos meios de comunicação e primeiro ombudsman do jornal.

A saída não é fácil. Em todo o mundo procura-se uma fórmula de sucesso. Minha impressão é que os jornais brasileiros estão a reboque dos acontecimentos. Os cortes de pessoal e de espaço editorial parecem responder a questões momentâneas de fluxo de caixa. Não bastaram, não bastam e não bastarão.

O problema essencial é simples de resumir e difícil de resolver: como financiar o jornalismo de qualidade, tão necessário à democracia? Quanto se dispõe a pagar o leitor e por qual tipo de jornalismo? Como encontrar financiamentos alternativos à maciça migração da publicidade para outros meios? Como reagir a tais desafios e ainda se preocupar com a edição de amanhã?

Não é saber só quem vai pagar a conta. Você, leitor, está no centro de todas essas questões. E das respostas também.


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