Folha de S. Paulo


Eleição tão perto, eleitor tão longe

Lydia Megumi

O primeiro turno das eleições municipais se realiza hoje em todo o país em clima de mobilização restrita, aparente desinteresse e possibilidade de grande quantidade de votos de protesto, nulos e/ou brancos.

As manifestações de leitores para a ombudsman e para o Painel do Leitor foram raras. Terá sido esse desinteresse o que tornou tímido o investimento do jornal no tema? Ou será que a timidez do jornal resultou no desinteresse dos leitores?

O provável é que uma coisa e outra façam sentido, em um contexto maior de desencanto com o sistema político como um todo, devastado em seus pilares pela maior investigação de corrupção da história.

Na avaliação de Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha, existe uma crise de representação aguda, com rompimento na relação de confiança entre representantes e representados.

Tendo historicamente o Datafolha como linha de rumo e manancial de informações eleitorais, a Folha abriu mão de buscar explicações para o movimento dos candidatos na pesquisa, desprezando análise de tendências e estratificações preciosas que o próprio levantamento oferece e que explicam muitos dos porquês em aberto na disputa em São Paulo e de capitais importantes, como o Rio de Janeiro, Belo Horizonte e o Recife.

O leitor se ressentiu de profundidade na apreciação do quadro eleitoral. Faltaram textos que mesclassem apuração de bastidores, dissecação de microdados eleitorais e projeção de tendências. A reportagem política tende por demais ao discurso, ao registro de gafes e confrontos verbais inúteis, perdendo atratividade e relevância em meio a campanhas e declarações uniformizadas pelo marketing.

A eleição municipal é, em tese, a que mais interessa ao leitor, pela proximidade com a sua vida real. Também nesse sentido o jornal poderia ter feito mais na versão impressa e, principalmente, na digital.

No papel, a série Desafios de SP trazia reportagens sobre temas como transporte, urbanismo, saúde etc., acompanhadas de quadro com as propostas dos candidatos. No site, a série se resumiu a vídeos em que um repórter ou colunista especializado descrevia os principais problemas. Não havia reportagem extra, nenhum infográfico visualmente atraente e movimentado, não se mostrava o diagnóstico dos problemas da cidade, não havia comparação entre as diferentes propostas.

Não tenho só críticas. A cobertura, por exemplo, do financiamento das campanhas –uma das mudanças importantes desta eleição– teve bons momentos, com acompanhamento de perto e frequente.

Desde 18 de setembro, o caderno diário de seis páginas, com colunas variadas e de qualidade (com humor, história, bastidores, etc.), teve o mérito de não ficar restrito à eleição paulistana. Conseguiu trazer reportagens interessantes de outras regiões. Pecou, no entanto, ao subestimar o interior de São Paulo, onde fica grande parte de seus leitores e de onde saiu o governador, que tem exibido força político-eleitoral.

A Folha fez algumas apostas interessantes em sua versão digital. Foram bons e úteis, por exemplo, o perfil e a avaliação dos 50 vereadores que tentam a reeleição na capital paulista. Mas isso está a anos-luz do que é possível fazer em tempos em que as campanhas são feitas em redes sociais e as doações passaram a ser pessoais.

A dificuldade de encontrar informações no site da Folha é muitas vezes frustrantes. O jornal desperdiça boas iniciativas, que se perdem no infinito mundo digital por não constarem de cardápio amigável a ser oferecido ao leitor.

O aspecto jornalisticamente mais relevante a avaliar nesta primeira parte da campanha é a questão do equilíbrio e do apartidarismo.

Com base em levantamento próprio, o jornal diz ter feito uma cobertura equilibrada. Tendo a concordar, apesar de ainda não ter tido acesso aos detalhes da análise, bem como as formas de classificação. O jornal promete divulgar a metodologia completa no site.

Um leitor, por exemplo, observou títulos do caderno "eleições 2016" por sete dias e concluiu: "A impressão é que o jornal tem uma preferência pelo Haddad e tenta desconstruir o Doria. É isso mesmo?" Como há muito de subjetivo nessa avaliação, é importante o jornal dar transparência e informar o que considerou positivo, negativo ou neutro.

A Folha manteve o padrão de suas coberturas eleitorais, mas fez mais do mesmo. Faltaram investigações de impacto, abordagens novas e criatividade no digital.

Nas principais capitais do país, a eleição deve ir para o segundo turno. Com menos candidatos e sem tanta competição de outros fatos jornalísticos, além da Lava Jato e da corrida eleitoral dos EUA, a eleição ainda pode ser coberta pelo jornal com mais ambição.

O jornalismo está em fase de reinvenção. De procedimentos, de abordagens e de apresentação.


Endereço da página: