Folha de S. Paulo


As dificuldades do bem informar

Lydia Megumi/Editoria de Arte/Folhapress

A apresentação da força-tarefa da Operação Lava Jato para divulgar a formalização da denúncia do Ministério Público contra o ex-presidente Lula, a mulher Marisa e mais cinco integrantes da empreiteira OAS ensejou críticas dos mais diferentes agentes da sociedade e evidenciou dificuldades da imprensa.

A espetacularização tem incomodado parcela considerável do meio jurídico, muito além da esperada queixa de advogados de defesa de envolvidos no chamado petrolão.

Na quarta-feira passada (14), procuradores da República e membros da Polícia Federal derraparam na exposição acerca de Lula, diferentemente das quase sempre eficientes exposições que se tornaram usuais no âmbito da Lava Jato.

A denúncia do Ministério Público Federal em relação a Lula pode ser analisada sob dois ângulos. No primeiro, de caráter técnico, os procuradores acusam Lula de receber vantagens indevidas de empresas beneficiadas por corrupção em seu governo. É uma questão a ser resolvida nos tribunais.

No segundo, há um embate discursivo, no qual os procuradores carregam nas tintas declaratórias, indo muito além do que permite a investigação que comandam. Se dizem que Lula é o chefe da organização criminosa, mas não o denunciam como tal, os procuradores parecem estar jogando para a plateia.

Estão teatralizando a denúncia, como se leitores e espectadores fossem membros de um imenso tribunal do júri a serem conquistados antes no coração do que na mente.

A ação de ribalta dos procuradores, à qual Lula respondeu em tom também emocional e teatral, reforçou a sensação de que o marketing está vencendo o jornalismo na cobertura da Lava Jato.

Entidade salutar na democracia brasileira, o Ministério Público, cuja independência foi fortalecida a partir da Constituição de 1988, é parte interessada nos processos em que atua, assim como os advogados de defesa daqueles a quem acusam.

As reportagens da Folha que relataram um e outro lado nesta semana pecaram pela simples reprodução do que os procuradores e o ex-presidente disseram. Não houve análise crítica da denúncia do Ministério Público nem dos contra-argumentos do ex-presidente.

O erro jornalístico claro estava na manchete da página A4 da edição de quinta-feira: "Lava Jato denuncia Lula sob acusação de chefiar petrolão". É incorreto. O petista foi denunciado sob acusação de corrupção ativa e passiva e de lavagem de dinheiro. A Folha aceitou passivamente o discurso dos procuradores.

Em especial nesta época de disputa de tempo e espaço, o texto noticioso precisa cada vez mais ser também analítico e crítico para não cair na inocência jornalística. O editor de Poder, Fábio Zanini, discorda.

"Questionar e relativizar acusações é fundamental, mas é preciso cuidado para não editorializar a reportagem", diz. "O volume de informações a ser digerido em pouco tempo é enorme e diversos aspectos requerem conhecimento técnico. Por mais que os repórteres envolvidos sejam experimentados no tema, a dificuldade é evidente", afirmou.

Na segunda, 12, procuradores avisaram que na quarta às 15h haveria uma denúncia importante, sem dar mais detalhes. Às 14h30, foram divulgados sem maiores informações os nomes dos denunciados. Apenas às 15h26, a petição foi protocolada na Justiça. A entrevista teve início por volta das 16h.

A denúncia tinha 149 páginas e incluía 305 anexos com documentos. Era impossível a qualquer jornalista preparar-se de forma minimamente razoável até a apresentação dos procuradores.

Um enredo de suspense que o Ministério Público poderia evitar em prol de bem informar a sociedade.

A Folha tinha dois repórteres em Curitiba para acompanhar a entrevista e ler os detalhes da denúncia, premidos pelo tempo e pela concorrência da notícia em tempo real.

Na edição de sexta, o relato sobre o longo pronunciamento de Lula também deixou de enfatizar que, em mais de uma hora, ele evitou responder objetivamente as acusações que enfrenta. Continua a dever explicações sobre seu papel na negociação de compra do apartamento no Guarujá e na reforma do sítio em Atibaia. As investigações deste último incluem raro exemplo de linha própria seguida pela imprensa, quando a Folha revelou que funcionários de empreiteiras tocaram a reforma do sítio. Lula também não justificou até agora o pagamento de R$1,3 milhão do Instituto Lula à empresa de seu filho, Fábio Luís.

Não é missão desta ombudsman esmiuçar as denúncias do Ministério Público ou as defesas dos acusados. O que me interessa é defender que o leitor tenha a informação mais qualificada, trabalhada com equilíbrio, apartidarismo, fidelidade e rigor crítico. São exigências fundamentais, especialmente em casos rumorosos como a Lava Jato.


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