Folha de S. Paulo


No papel de vidraça

Com a aprovação do impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer à Presidência, as manifestações de protesto recrudesceram país afora, e os "black blocs" –grupos minoritários violentos –reapareceram. Nos últimos dias, jornalistas e órgãos de comunicação foram vítimas de agressões por parte de policiais e manifestantes, em preocupante escalada de violência contra o direito à informação.

Levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contabiliza as agressões sofridas por jornalistas a partir das manifestações de junho de 2013. Foram 294 ocorrências desde então. Em 208 casos (70%), a violência em direção aos jornalistas partiu de integrantes das forças de segurança pública. Em 75 (25%), vieram de manifestantes.

Chama a atenção o crescimento em 2016 da proporção das agressões contra a mídia que tiveram origem em manifestantes. De janeiro a 7 de setembro, houve 62 ocorrências; 33 (53%) perpetradas pela polícia e 25 (40%) por manifestantes.

Lydia Megumi/Editoria de Arte/Folhapress

Em 30 de agosto, a sede da Folha foi o destino final de manifestantes que protestavam contra o impeachment. Cerca de 40 pessoas se deitaram em frente ao prédio do jornal formando a palavra "golpe".

No dia seguinte, data em que o Senado aprovou o impeachment, vários atos foram realizados em cidades brasileiras. No centro da capital paulistana, manifestantes entraram em confronto com a polícia, inclusive em frente à Folha.

Por volta das 21h, parte dos manifestantes tentou invadir o jornal e pichou a palavra golpista no portão do prédio. "Black blocs" arremessaram pedras e quebraram vidraças. A polícia reagiu, jogou gás lacrimogêneo e dispersou o protesto.

O jornal noticiou a depredação em sua edição de 1º de setembro, com foto, mas sem destaque ao ataque na capa ou em título interno. Pareceu-me atitude correta, sem a intenção de alimentar o confronto.

É necessária a condenação firme, serena e inequívoca de atos que atentam contra o direito à informação. É chocante ver um jornal como a Folha sofrer tal ataque. O direito de manifestação não inclui ações violentas de intimidação e depredação. Tenha origem em forças policiais ou em grupos minoritários de manifestantes, a violência não é aceitável ou justificável.

A agressão a jornalistas e órgãos de imprensa repete o simplismo histórico de achar que o mensageiro é o responsável pela mensagem que transmite. A imprensa, com todas as eventuais falhas e fragilidades, é essencial na oxigenação de uma sociedade democrática. Sufocá-la é um atentado contra a sociedade.

A Folha reagiu na edição de 2 de setembro, com o editorial "Fascistas à solta". O jornal usou termos duros para condenar a violência dos adeptos da tática "black bloc". Ao final fez, a meu ver, indevida comparação com a República de Weimar. Acuado, apelou à ordem e deixou de citar que, nos mesmos protestos, manifestantes e jornalistas foram vítimas da violência policial.

Desta forma assustou e decepcionou leitores fiéis. Muitos lembraram de causas cívicas abraçadas pelo jornal e de sua constante filiação aos valores democráticos. Para estes, o jornal havia tropeçado.

"O editorial é incoerente porque não respeita a história de luta pela liberdade e pelos direitos civis da Folha. Estivesse nas páginas de vários outros jornais, não haveria incoerência. Mas, nas páginas da Folha, a incoerência é gritante em um jornal que sempre lutou pela democracia, pela liberdade e pelo direito de manifestação", reclamou o leitor Carlo Carrenho.

"As pessoas estavam nas ruas não em defesa do PT, mas da democracia, pedindo diretas já, a mesma campanha que alçou esse jornal ao posto de maior jornal impresso do Brasil. A Folha esquece da própria história", disse Ricardo Ferraz.

Assim como parcela expressiva dos leitores, achei o editorial da Folha infeliz, talvez uma reação inflamada no calor dos acontecimentos. Vítima de ataques despropositados, o jornal reagiu com palavras truculentas, desnecessárias em momento de aumento da tensão política.

A Folha tem o direito de expressar sua opinião, mas não deve ser agente fomentador do confronto, mesmo sendo atacada primeiro.

A correção de rumo seria feita em 6 de setembro, com o editorial "Basta de confronto", na qual o jornal fazia uma convocação ao bom senso e clamava por uma polícia mais qualificada e menos violenta na contenção de conflitos. "Urge pôr fim a esse roteiro deplorável, e a Polícia Militar paulista necessita preparar-se melhor para lidar com esses confrontos –a começar pela obrigação óbvia de não iniciá-los."

A credibilidade da Folha é seu maior capital. Independentemente da sua opinião, não pode jamais deixar que seja rompida a separação entre a opinião dos editoriais e as páginas noticiosas.

Destemperos maniqueístas, não importa de que lado venham, não contribuem para o bom jornalismo.


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