Folha de S. Paulo


Folha recusa tese de golpe, mas não vê nas pedaladas motivo para tirar Dilma

Sem Dilma, com Temer. Assim ficou o Brasil desde 31 de agosto, após o Senado aprovar por 61 votos a 20 o impeachment de Dilma Rousseff, a primeira mulher a ser eleita, e reeleita, presidente da República.

Em 3 de abril, esta Folha estampou em sua primeira página editorial intitulado "Nem Dilma nem Temer", em que afirmava que a presidente havia perdido as condições mínimas de governar e defendia sua renúncia, assim como a de seu vice, Michel Temer. O jornal pregava então que fosse convocada nova eleição presidencial.

O processo de impeachment passou por suas várias fases, e a Folha comentou com frequência sua posição. "O jornal nunca considerou que as pedaladas e os créditos suplementares constituíam motivo forte o suficiente para justificar o impeachment", lembra Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha.

Em editorial em 1º de setembro, a Folha reiterou que "teria preferido que a extrema gravidade da crise e o inconformismo da sociedade houvessem conduzido à renúncia da chapa eleita em 2014 ou a sua impugnação", o que levaria a eleições diretas. E acrescentava: "O processo decorreu em estrita obediência à Constituição, assegurado amplo direito de defesa e sob supervisão de suprema corte insuspeita. As acusações de fraude orçamentária, porém, embora pertinentes enquanto motivo para impeachment, nunca se mostraram irrefutáveis e soaram, para a maioria leiga, como tecnicalidade obscura –e, para uma minoria expressiva, como pretexto de um 'golpe parlamentar'."

Leitores cobraram o jornal por não afirmar de forma categórica e simples sua posição sobre o impeachment, sem poréns. A Folha "não saiu do muro", disse um.

Dávila entende que o jornal foi cristalino em sua posição. "Para a Folha, um novo governante teria mais legitimidade se fosse eleito diretamente pelo povo, mas daí não decorre que o processo de impeachment tenha sido ilegítimo –e muito menos que tenha sido ilegal. Portanto, não houve golpe", afirmou.

O ponto mais comentado foi a discussão sobre a caracterização do processo de afastamento da presidente como "golpe". Muitos citaram a imprensa internacional.

Colunistas tarimbados, como Clóvis Rossi, Elio Gaspari, Janio de Freitas e Marcelo Coelho expressaram seus pontos de vista em torno da existência ou não de um golpe no afastamento de Dilma. Mesmo entre eles, certamente dos mais qualificados e independentes na imprensa brasileira, houve convergências e divergências sobre o tema.

O leitor da Folha acompanhou a discussão com notável qualidade. Cada qual pôde formar sua opinião sobre o processo da maneira que mais lhe pareceu sólida.

A posição da Folha contemplou as nuances do processo político, enquanto seus concorrentes diretos, "O Estado de S. Paulo" e "O Globo", manifestaram-se em favor do impeachment sem meias palavras.

De maneira geral, acho possível afirmar que a cobertura da Folha foi equilibrada, mesmo que em alguns momentos possa ter incorrido em alguns desajustes e até erros.

É preciso considerar que os vetores político-noticiosos, por uma série de razões mais sociais que jornalísticas, eram contrários a Dilma. Havia recessão econômica em nível histórico, o PT estava no centro das investigações da Operação Lava Jato, a base do governo petista erodiu e, como consequência de tudo isso, sua avaliação popular despencou.

Há muitas possibilidades de análise, mas me dediquei a examinar todas as manchetes da Folha desde abril para buscar tendências da cobertura. O processo de impeachment gera uma carga forte de notícias negativas a seu protagonista.

É compreensível que parcela considerável de fatos negativos sobre Dilma tenha sido elevada à manchete. No período, a Folha publicou 32 manchetes que considerei negativas a Dilma e 13 positivas.

É inegável que o beneficiário da crise de Dilma seja Temer, seu vice e sucessor legal. É compreensível também que as promessas iniciais de Temer proporcionem narrativa favorável a ele. Foram 34 manchetes positivas; e apenas 24 negativas.

Nos últimos cinco meses, os fatos políticos se desenvolveram mais positivamente para Temer e mais negativamente para Dilma.

Como disse, não seria jornalístico propugnar tratamentos equânimes a situações políticas distintas. Não caberia ao jornal produzir número semelhantes de manchetes favoráveis e desfavoráveis a Dilma e Temer, porque os acontecimentos políticos não seguem tal proporção.

No entanto, parece-me justa a observação de que o jornal se esforçou para cumprir seu papel de vigilante crítico com Dilma, mas foi menos investigativo e combativo com o governo Temer. É a impressão que fica da revisão de 154 manchetes.


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