Folha de S. Paulo


Com o jornal na mão

Editoria de Arte/Folhapress

A página com 56 cm de altura por 31,7 cm de largura é do tempo em que os jornais chegavam às casas para preencher lacunas de informação.

O visor do meu celular tem 10,5 cm por 6 cm. Hoje, as notícias chegam à mão a todo minuto. Essa diferença dá a dimensão do desafio que jornais do mundo todo enfrentam agora.

O futuro imediato exige que os jornais inteligentes se enquadrem aos visores dos telefones inteligentes.

Como levar jornalismo de qualidade para um espaço físico menor, sem apequená-lo? As respostas à redução de tiragem impressa e de receitas publicitárias variam de jornal a jornal, de país a país.

Dois dos principais jornais globais, o diário americano "The New York Times" e o espanhol "El País", anunciaram recentemente que suas operações passam a priorizar as versões digitais.

Nas palavras do diretor Antonio Caño, "El País" vai se converter em "um jornal essencialmente digital; em uma grande plataforma geradora de conteúdos que distribuirá, entre outros, o melhor jornal impresso da Espanha".

A Folha acompanha de perto os hábitos de seus leitores, e isso se reflete em sua estratégia digital, disse o editor-executivo, Sérgio Dávila, quando pedi que comentasse esse cenário. Ele acredita que a multiplicidade de plataformas para acesso ao jornal deve perdurar por muito tempo ainda e que outras novas podem até surgir.

"O mais importante é produzir conteúdo de qualidade em qualquer plataforma a nosso alcance. Dito isso, vale lembrar que o produto impresso responde pela maior fatia do faturamento publicitário que sustenta o jornalismo independente praticado pela Folha." No jornal "El País", a publicidade digital já atinge 40% da receita.

A audiência digital da Folha é a maior da história e a maior dos sites de jornais brasileiros, afirma Dávila. "Os números mais específicos são considerados estratégicos, mas se pode dizer que hoje os assinantes são divididos em cerca de 55% no impresso e 45% no digital."

Metade dos leitores digitais acessam o jornal via celular e tablets. A Folha segue como o maior jornal impresso brasileiro, com circulação total em torno de 300 mil. Está claro que a manutenção da liderança necessita de novas estratégias.

Plataforma digital, antes, foi sinônimo de computadores de mesa ou portáteis. Até pouco tempo, pensava-se também em tablets. Hoje significa acesso às notícias por celulares.

Smartphones já superaram computadores como a principal forma de acesso à internet nos lares brasileiros, informou o IBGE. A proporção de casas com acesso à internet por celular saltou de 53,6% para 80,4%, na comparação de 2013 com 2014.

O jornal está preparado editorial e tecnologicamente para a mudança?

A ombudsman passou alguns dias acompanhando a Folha via celular. É uma experiência estranha, difícil, instigante, desgastante e, por vezes, frustrante. É uma versão que claramente precisa de muito investimento tecnológico e discussão editorial.

Algumas observações pontuais: há poucas opções de entrada no aplicativo, o que resulta muitas vezes em diversidade restrita de temas. Em geral, na tela inicial, há apenas um título e uma foto. A navegabilidade é lenta e monótona. Há ainda problemas técnicos frequentes, como atualizações de notícias que não entram.

Em vários momentos, assuntos que me interessavam não estavam facilmente visíveis. Certa ocasião, o leitor que acessou a Folha pelo celular antes de sair de casa, no começo da manhã, não foi alertado de que poderia enfrentar problemas por causa de uma paralisação de ônibus e da chuva. Os vídeos são escassos.

Identifiquei ainda problema de falta de transparência, que não é exclusivo do "mobile", quando o leitor se depara com uma lista de assuntos "recomendados", sem se dar conta de que se trata de ação comercial, não de indicação editorial da Folha.

O jornal vive dividido entre dois mundos: o do leitor tradicional e fiel, mais velho, que lê basicamente a versão impressa; e o do leitor que está no digital, que tem perfil muito diferente do outro. É mais jovem e mais diversificado em interesses, formação escolar e rendimentos. É um jornal só, mas feito para dois públicos que exigem linguagens diferentes e nenhum pode ser desprezado.

Dávila reconhece que o novo jornalismo digital depende de investimento em tecnologia. "A avaliação do jornal é que, embora estejamos à frente em diversos aspectos, ainda há muito a evoluir", afirma.

Estudo divulgado pelo Poynter Institute concluiu que a maioria das notícias que encontramos no telefone celular ainda são adaptações de outros modelos. Foram pensadas para o papel ou para computadores de mesa em meios de comunicação de origem impressa. A experiência jornalística é originalmente pensada para o papel, adaptada para a tela de computador e readaptada para o celular.

A maior parte do jornalismo está ainda na contramão dos novos leitores, criados em um mundo que podem carregar na palma da mão.


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