Folha de S. Paulo


Trazer o leitor para dentro da notícia

Lydia Megumi /Foto Adriano Vizone/Editoria de Arte/Folhapress

A função de ombudsman em jornais completa 50 anos em 2017. Uma empresa proprietária de dois jornais em Louisville, no Kentucky, sudeste dos EUA, criou o cargo em 1967 como forma de prestação de contas independente a seu público. A Folha instituiu o primeiro ombudsman brasileiro em 1989.

As mudanças econômicas e tecnológicas que têm afetado os jornais, provocando redução de quadros e investimentos, também fizeram com que muitos postos de ombudsman fossem cortados mundo afora.

Em cenário de crise, o compromisso com a função de ombudsman é saudável investimento na qualidade jornalística e na defesa da credibilidade do jornal. Daí a honra e o desafio imenso de assumir a jornada como a 12ª defensora dos leitores da Folha, ainda o único dos grandes jornais nacionais a pagar um profissional para criticá-lo.

A primeira vez que entrei na Redação do jornal, em agosto de 1987, não havia internet nem telefone celular. O país discutia uma nova Constituição, havia a perspectiva do retorno das eleições diretas e grande preocupação com a inflação. Quase 30 anos depois, a democracia se consolidou, a qualidade técnica da imprensa evoluiu, mas imperfeições persistem e novos desafios se impõem.

Entendo que regras editoriais e instituições jornalísticas vigorosas são luzes a direcionar os profissionais na busca de novos caminhos. É momento de o jornalismo assentar-se sobre valores clássicos e consistentes: transparência, precisão, objetividade e pluralismo. Essa é uma das saídas para o ambiente político polarizado pelo qual o país passa.

A Folha construiu sua história recente na busca diária, renitente e penitente, desses princípios. Eles têm de estar na rotina de repórteres, redatores e editores. E temos –ombudsman e Redação– de estar atentos ao jornal nas diferentes plataformas. Se a circulação do impresso vem caindo ano a ano, os que leem o jornal em computador, tablet ou celular aumentam mês a mês. São novos leitores, que se relacionam com o jornal de maneira diferente.

A era do jornalismo digital exige grande investimento tecnológico. É preciso discutir como financiá-lo. É necessário postar-se à frente no estímulo a inovações –de ferramentas, de abordagens ou de instrumentos.

O coração do jornalismo, no entanto, são seus repórteres, redatores e editores. É preciso investir nas pessoas –em salários, formação, aprimoramento, reciclagem. Misturar gerações que possam trazer múltiplos conhecimentos.

A Folha precisa reforçar seus vínculos sociais e comunitários. Depende de pautas mais criativas, autênticas, acessíveis. Que provoquem intimidade e conexões emocionais. Que façam o leitor se sentir dentro da notícia. Como definiu uma repórter norte-americana, "walk inside the news" é a melhor forma de o jornal enfrentar o lado selvagem da modernidade. Conto com você, leitor, para abraçar essa jornada.

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Nome da função é comum aos dois gêneros

Quinta mulher a assumir o cargo na Folha, logo fui questionada sobre por que não ser chamada de ombudswoman. Ombudsman é palavra sueca –que significa representante do cidadão– utilizada igualmente para os dois gêneros. Não teria sentido usar regra da língua inglesa. Tanto que, no caso de plural, a Folha usa ombudsmans e não ombudsmen. Nos EUA, há quem utilize ombudswoman ou até ombudsperson.

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"Imprecisão e parcialidade irritam leitores"

Margaret Sullivan foi a representante dos leitores ("public editor", em inglês) do "New York Times" por quase quatro anos. Em maio, ela assume coluna de crítica de mídia no "Washington Post".

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Quais os pecados dos jornais?

O que mais importa para os leitores é a precisão e a imparcialidade. O "New York Times", como outros jornais, às vezes fica aquém nos dois quesitos. Quando isso acontece, os leitores tornam-se compreensivelmente irritados. Eles também não gostam do uso de fontes anônimas. O "Times" reforçou as orientações sobre isso recentemente, e acredito que vai ajudar no ganho de confiança e de credibilidade.

Ainda é importante ler jornais?

Jornais continuam a ser a melhor maneira de obter informações ao mesmo tempo amplas e profundas. Não importa se nós as lemos no formato impresso ou digital. Seu conteúdo é extremamente importante para fiscalizar os poderes governamentais e empresariais. Muito poucas outras organizações de mídia são capazes de fazer isso tão bem quanto os jornais, mesmo hoje em dia.

A radicalização política inibe o jornalismo de qualidade?

É lamentável que as pessoas pareçam querer ler e ouvir aquilo que elas já acreditam. Quanto mais se movem em direção aos extremos, mais isso acontece. Por esta razão, o desejo de uma cobertura justa e neutra é menor, e isso prejudica o jornalismo.


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