Folha de S. Paulo


O que Trump não disse sobre Jerusalém

Como muitas das decisões anunciadas pelo presidente Donald Trump com muito alarde, o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel não é tudo isso, para o bem e para o mal.

Faltou uma palavra-chave —indivisível— no comunicado e no discurso de Trump anunciando a decisão de transferir a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém, e declarar que a cidade é a capital israelense.

Abbas Momani/AFP
Manifestantes palestinos queimam bandeira dos EUA em protesto perto de Ramallah, na Cisjordânia
Manifestantes palestinos queimam bandeira dos EUA em protesto perto de Ramallah, na Cisjordânia

Explico: em 1980, o Parlamento israelense aprovou a chamada Lei de Jerusalém, determinando que "Jerusalém, completa e unida, é a capital de Israel".

Ao proclamar que não seria admitida a divisão da cidade, a lei choca com a reivindicação dos palestinos de estabelecer a capital de um futuro Estado Palestino em Jerusalém Oriental.

Em seu discurso, Trump fez uma defesa inequívoca do direito de Israel de estabelecer sua capital em Jerusalém.

"Eu determinei que chegou a hora de reconhecer oficialmente Jerusalém como a capital de Israel", discursou Trump. "Israel é uma nação soberana que tem o direito, como todas as nações soberanas, de determinar sua própria capital".

Ao longo dos anos, as negociações de paz entre israelenses e palestinos (que há um bom tempo estão em estado de coma) determinavam que o destino de Jerusalém só seria decidido na fase final de conversas. Isso era uma maneira de adiar uma decisão tão polarizadora que teria descarrilhado as negociações imediatamente.

Jerusalém é uma cidade sagrada para três religiões —Islamismo, Judaísmo e Cristianismo.

Na época da criação do Estado de Israel, em 1948, a ONU definiu que Jerusalém seria uma cidade internacional, sem controle exclusivo de judeus, árabes ou cristãos. Pouco depois, no entanto, o Parlamento israelense foi "instalado" em Jerusalém Ocidental.

E em 1967, na chamada Guerra dos Seis Dias, Israel se apossou de Jerusalém Oriental e da Cisjordânia (então controlados pela Jordânia).

Na época (e até hoje), a grande maioria da população de Jerusalém Oriental era palestina. O governo israelense concede aos palestinos que lá vivem "permissão de residência".

A anexação desses territórios por Israel não foi reconhecida internacionalmente. Internacionalmente, Jerusalém é vista como uma cidade que não pertence a nenhum país.

Ao não usar a expressão "capital indivisível" ou "completa" ou "unida", Trump deixa a porta aberta para, em alguma negociação futura, destinar parte de Jerusalém Oriental para abrigar a capital de um Estado Palestino.

"Não estamos tomando partido em relação a questões como as fronteiras específicas da soberania israelense e a resolução de fronteiras disputadas", disse Trump, sintomaticamente.
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Trump habitualmente tenta fazer um "hedge" em suas apostas, como se diz no jargão do mercado financeiro —deixa espaço de manobra para se proteger.

Fez isso em relação à imigração —cancelou a medida de Obama que protegia da deportação cerca de 800 mil imigrantes indocumentados que chegaram nos Estados Unidos quando eram jovens, mas determinou que o Congresso achasse uma maneira de mantê-los no país.

Mesma coisa em relação ao Irã —recusou-se a certificar que o Irã está cumprindo as obrigações do Acordo Nucelar de 2015, mas passou para o Congresso a tarefa de decidir se haverá imposição de sanções.

No caso de Jerusalém, essa tentativa de "proteção" não serve para muita coisa. O peso de declarar que Jerusalém é a capital de Israel, ainda que isso não tenha efeitos concretos e a transferência da embaixada possa levar anos, é avassalador. E pode ter eliminado qualquer possibilidade de negociação.

Grupos como o Hamas, na faixa de Gaza, e o Hizbulah, no Líbano, já estão clamando pela Terceira Intifada. Vale lembrar que a Segunda Intifada começou por muito menos, em 2000 —o estopim foi a visita do então primeiro ministro Ariel Sharon à esplanada das Mesquitas em Jerusalém Oriental, considerada uma provocação.


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