Folha de S. Paulo


Trump e a sabedoria de Groucho Marx

Donald Trump pode ter a veleidade de ser o herdeiro do manto de Ronald Reagan. Ultimamente, no entanto, ele têm seguido mais os ensinamentos do grande Groucho Marx —os EUA não querem entrar em nenhum clube que os aceite de sócios. O governo americano está saindo ou se prepara para sair do acordo de Paris para o Clima, da Parceria Transpacífico, do Nafta, da Unesco, e do acordo nuclear com o Irã.

Basicamente, os EUA entraram em um processo acelerado de "retirada" do mundo.

Yuri Gripas/Reuters
O presidente Donald Trump apresenta Kirstjen Nielsen, sua indicada à secretaria de Segurança Interna
O presidente Donald Trump apresenta Kirstjen Nielsen, sua indicada à secretaria de Segurança Interna

Sair da Unesco não fará muita diferença, já que os EUA perderam o direito a voto em 2013, porque deixaram de fazer suas contribuições à instituição desde que a Autoridade Palestina foi admitida, em 2011.

Mas esse repúdio sistemático a órgãos e acordos multilaterais representa um processo assustador de encolhimento dos EUA no cenário internacional.

Em alguns casos, como no acordo nuclear do Irã, o presidente Donald Trump aposta em suas propaladas habilidades de negociação. Em seu best-seller "A Arte da Negociação", Trump ressalta a importância de ter alavancagem:

Segundo ele, a única maneira de fechar o negócio que você deseja é partir de uma posição de superioridade e convencer o outro lado de que você oferece algo de que ele precisa. Alavancagem é ter algo de que o "outro cara" precisa muito...

"Nunca demonstre estar desesperado para fazer um acordo. Diga às pessoas: o que vocês têm não vale tudo isso. Ressalte os grandes problemas e diga que o dinheiro que você está pagando é muito para o que eles oferecem."

Na versão Casa Branca, a tática de negociação de Trump se traduz perfeitamente pela chamada "estratégia do bode na sala".

No caso do acordo com o Irã, por exemplo, Trump deve anunciar nesta sexta-feira (13) que não irá certificar que o Irã está cumprindo os termos do acordo nuclear e que o tratado segue os interesses da segurança nacional americana.

Aí o Congresso americano terá 60 dias para decidir se impõe novas sanções.

A aposta de Trump é que o Congresso não irá reimpor as sanções, mas a "decertificação" dará a Trump "alavancagem" para extrair mais concessões do Irã. Aposta arriscada, porque o Senado tem "falcões" suficientes para surpreender Trump com uma imposição de sanções contra o Irã. Nesse caso, isso levaria a grande isolamento dos EUA e possível "tudo ou nada" por parte dos iranianos, que poderiam voltar a enriquecer urânio.

No caso do Daca, o programa que protege da deportação cerca de 800 mil imigrantes que entraram ilegalmente nos EUA quando eram crianças, Trump segue a mesma linha. Primeiro, anunciou que ia derrubar a medida criada por seu antecessor, Barack Obama. Logo depois, disse que queria proteger os "dreamers" e que passava para o Congresso a missão de achar uma legislação que substitua o decreto de Obama. E aí começou a enxertar suas exigências —a legislação, além de proteção dos dreamers, precisa incluir dinheiro para o muro, para 10 mil agentes de imigração, mais deportação de crianças desacompanhadas etc.

No Nafta a mesma coisa —esse acordo é uma porcaria, México e Canadá é que saem ganhando, se não melhorar, vamos sair. E assim vai.

No caso da Unesco, a saída era uma forma fácil de jogar para a torcida —agradar seu eleitorado, que tem ojeriza por globalistas e acredita no nacionalismo do "América em Primeiro Lugar", com poucas consequências práticas. É um jeito de cutucar a ONU, sem sair do Conselho de Segurança, por exemplo.

Tudo isso pode fazer sentido na compra de um terreno para instalar um clube de golfe. Mas, em se tratando de governar os Estados Unidos, falta combinar com os chineses. Eles estão à espreita para tomar os espaços que os EUA vão deixando vagos. E os chineses têm milênios de experiência em negociação, com menos alarde, e mais resultado.


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