Folha de S. Paulo


Cuba e seu bode expiatório favorito

Stringer - 8.jul.2016/AFP
Embargoed until July 9, 2016 - 01:00 GMT / Cuban President Raul Castro gives a speech during the First Annual Session of Cuban Parliament, on July 8, 2016 at Convention Palace of Havana. / AFP PHOTO / STRINGER ORG XMIT: HAV10
O ditador de Cuba, Raúl Castro

Tudo o que um ditador mais quer é um bom bicho-papão estrangeiro.

E o presidente Donald Trump está prestes a cumprir esse papel brilhantemente em relação ao regime cubano.

Com a reversão parcial da política de Obama de reaproximação com Cuba, Trump fornece munição para o ditador Raúl Castro desacelerar (ainda mais) as reformas e apertar (ainda mais) o cerco contra dissidentes. Viva o bode expiatório favorito dos ditadores do mundo!

Trump deve anunciar nesta sexta-feira (16) restrições para viagens de americanos a Cuba e a proibição de transações comerciais entre empresas americanas e entidades militares cubanas. Por entidades militares cubanas entende-se todas as empresas parcialmente controladas ou com participação da GAESA, que pertence às Forças Armadas Revolucionárias e é presidida pelo genro de Raúl Castro. Bom, segundo estimativas conservadoras, a GAESA controla mais de 60% da economia cubana –incluindo 57 hotéis e o porto de Mariel, em associação com a Odebrecht (e financiamento do BNDES).

O objetivo é reduzir o fluxo de investimentos e negócios americanos que beneficiam o setor militar e de inteligência, segundo disseram altos funcionários da Casa Branca em briefing. Eles também dizem que Cuba está enviando armas para a Coreia do Norte e semeando o caos na Venezuela.

Trata-se de uma mudança significativa na estratégia de descongelamento das relações entre EUA e Cuba, um dos principais legados do ex-presidente Barack Obama em política externa.

Segundo a Casa Branca, o acordo negociado por Obama não melhorou a situação dos dissidentes no país e tinha falhas que acabaram gerando aumento de receita para o governo cubano, em vez de ajudar o povo cubano.

Obama anunciou a reaproximação entre Cuba e EUA em dezembro de 2014, 53 anos após os dois países terem rompido relações diplomáticas (eu cheguei na capital cubana naquele mesmo dia). Oito meses depois, foi reaberta a embaixada americana em Havana e no final de 2016, pousou na capital cubana o primeiro voo comercial regular entre os dois países.

Durante a campanha presidencial, Trump repetidamente afirmou que o acordo com Cuba era um "mau acordo". Mas a reversão de parte do acordo vai atingir em cheio aquele que é o centro de todo discurso populista de Trump: o trabalhador americano.

Praticamente toda empresa ou indústria americana que for vender alguma coisa para Cuba será afetada, porque a GAESA atua em quase todas as áreas - hotelaria, varejo, aluguel de veículos, lojas de roupas, construção, bancos, cartões de crédito, remessas, câmbio, linhas aéreas.

Depois que as medidas forem regulamentadas pela secretaria do Tesouro e pela secretaria do Comércio, as empresas americanas que quiserem fazer negócios em Cuba serão alvo de algum tipo de sanção.

E os dissidentes cubanos dificilmente se verão em melhores condições por causa da pressão de Trump.


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